Ler o relato de El Faro, excelente publicação digital salvadorenha, sobre a eleição deste domingo (3) é como reler muito do que a mídia brasileira escreveu sobre a vitória de Jair Bolsonaro em outubro passado.
Ganhou mesmo, como se imaginava neste espaço na quarta-feira (29), o que chamei de Bolsonaro salvadorenho, Nayib Bukele, 37. Obteve 53,7% dos votos, 22 pontos à frente de Carlos Calleja, da Arena.
A principal coincidência entre as duas eleições é a que vale a pena recuperar, por mostrar uma tendência mais ou menos universal: o atropelamento dos partidos tradicionais por uma figura que se proclama um “outsider", embora tenham —Bolsonaro e Bukele— antecedentes na vida pública.
O brasileiro ficou escondido 27 anos na Câmara dos Deputados. Bukele foi prefeito de Nuevo Cuscatlán e da capital, San Salvador.
El Faro lembra que é a primeira eleição desde a redemocratização (operada em 1992 mas com o primeiro pleito democrático em 1994) em que não ganha nem a ultradireitista e reacionária Arena (Aliança Republicana Nacionalista) nem a esquerdista (ma non troppo) Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional.
Arena e FMLN ficaram, cada uma, dez anos no poder.
No Brasil também, desde o mesmo ano de 1994, PSDB e PT se revezaram no poder, até a irrupção de Jair Bolsonaro.
É razoável supor que tanto Bolsonaro como Bukele ganharam menos por seus próprios méritos e mais pelo desencanto com os partidos tradicionais.
No caso de El Salvador, desencanto tamanho que levou quase a metade do eleitorado a não votar no domingo: compareceram apenas 51,3% dos eleitores, quase dez pontos percentuais menos do que os 60,9% que votaram no pleito anterior, em 2009.
Desencanto fácil de explicar, no Brasil como em El Salvador. O fator principal a corroer o prestígio dos partidos tradicionais é a corrupção. No Brasil, é desnecessário lembrar a quantidade de políticos graúdos dos mais diferentes partidos que ou estão presos ou sendo investigados.
No Brasil como em El Salvador, ex-presidentes estão presos. Lula, claro, no Brasil, e Antonio Saca (da Arena) em El Salvador, para não mencionar Maurício Funes (FMLN), amigo de Lula e refugiado na também corrupta Nicarágua.
Como ocorreu com o PT em 2018, a FMLN sofreu uma sangria impressionante de votos: não chegou a 14% (teve 13,9%), seu pior desempenho nas seis eleições realizadas em democracia.
Quando o maior país da América Latina, o Brasil, e o menor deles, El Salvador (também conhecido como El Pulgarcito de América, o pequeno polegar), coincidem em termos político-eleitorais, é hora de políticos e acadêmicos começarem a analisar o que diabos está acontecendo.
Inquieta quem crê na democracia que uma publicação independente e séria como El Faro, no editorial do domingo da eleição, tenha se visto obrigada a conclamar: “A votar, embora não seja a solução".
Quanta gente não disse o mesmo no Brasil, em outubro de 2018?
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