� rep�rter especial. Ganhou pr�mios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundaci�n por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve �s quintas e aos domingos.
Mem�rias de um grande porre democr�tico
� hoje (25 de abril) o 43� anivers�rio de uma revolu��o an�rquica, alegre, festiva, democr�tica a mais n�o poder, a chamada Revolu��o dos Cravos em Portugal.
Que foi festiva, basta lembrar que os fuzis dos soldados que a levaram a cabo n�o disparavam; eram enfeitados por cravos vermelhos, do que decorre o nome do movimento.
Que foi an�rquica, � s� lembrar que os jornalistas que cobr�amos a hist�ria toda localiz�vamos os oficiais que lideravam o movimento, depois da tomada do poder, pelas chaimites, os carros de combate, estacionadas � porta dos clubes noturnos de uma Lisboa em festa permanente.
Associa��o 25 de Abril/Divulga��o | ||
Em meio a curiosos e soldados, blindado cruza rua no bairro de Chiado, em Lisboa, em 25.abr.1974 |
Que foi democr�tica, demonstra-o o fato de que a festa envolveu socialistas, comunistas, mao�stas, liberais e anarquistas.
Estes �ltimos, ali�s, eram os mais divertidos. Quando o coronel Vasco Gon�alves foi nomeado primeiro-ministro, em 1974 (durou pouco mais de um ano), tinha fama de louco.
Pois os anarquistas picharam no muro do hosp�cio de Lisboa o "a" dentro de um c�rculo, que � sua assinatura, e a frase "Vasco, volte para casa".
A limpeza urbana caiou o muro, mas, no dia seguinte, os anarquistas voltaram e escreveram "Vasco, pelo menos venha para consultas". Nova limpeza, nova picha��o: "Vasco, pelo amor de Deus tome os rem�dios".
A revolu��o me proporcionou a primeira viagem � Europa e sua cobertura foi um ato de irresponsabilidade, admito.
Eu n�o sabia nada de Portugal. O ensino sobre o pa�s no Brasil se encerrava (se encerra ainda?) com a independ�ncia do Brasil, s�culo e meio antes.
A �nica e prec�ria tentativa de cobrir essa imensa brecha de conhecimento foi ler, na viagem at� Madri (Lisboa estava fechada para avi�es), o livro "Portugal e o Futuro", do general Ant�nio Sp�nola, o oficial mais graduado entre os rebeldes.
Cheguei num s�bado, fui direto para o Rossio, o marco zero da cidade, para cobrir uma manifesta��o dos mao�stas do MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, hoje Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses).
Gritavam um slogan que eu n�o conseguia decifrar, n�o acostumado ao sotaque portugu�s, ainda mais que as palavras pareciam sair grudadas umas �s outras. Tinha vergonha de perguntar ao p�blico o que a mo�ada estava dizendo, teoricamente na mesma l�ngua que a minha.
At� que deixei o pudor de lado, perguntei e descobri que era o grito de guerra dos bolcheviques russos de 1917: "P�o/Paz/Terra/e Liberdade". No caso, "p�opazterraeliberdade".
No domingo, bati � porta do "Expresso", seman�rio que era (e continua sendo) a melhor publica��o portuguesa. Atendeu-me Marcelo Rebelo de Sousa, que, al�m de muito bem informado e de suas qualidades intelectuais intr�nsecas, era filho de um ex-ministro das Col�nias da ditadura.
Conhecia, portanto, pelo lado de dentro um dos temas centrais para deflagrar a Revolu��o dos Cravos, a guerra colonial na �frica. Hoje, Marcelo � o presidente de Portugal e fico feliz de saber que � bem avaliado.
O hoje presidente perdeu comigo n�o sei quantas horas, explicando-me Portugal de A a Z —e, ainda por cima, sem puxar a brasa para a sardinha para o seu lado pol�tico, mais � direita, liberal mais que conservador.
Da� em diante, era bater perna atr�s dos eventos que se sucediam diariamente. Nas reuni�es do Movimento das For�as Armadas, o motor da revolu��o, havia muita intriga e muita conspira��o, mas havia poucos segredos: lembro-me de uma reuni�o teoricamente decisiva para algo, em um quartel do interior.
Havia mais jornalistas que oficiais militares, dava para ouvir quase tudo da janela aberta da sala em que o MFA se reunia e, depois, era f�cil arrancar das m�os do oficial mais pr�ximo o papel com o resumo da �pera.
Uma bagun�a, mas que transformou Portugal. O pa�s cinzento, de mulheres vestidas quase sempre de negro, os homens de apar�ncia tristonha, � hoje multicolorido, moderno, quase rico. E ador�vel.
O que n�o mudou muito � o car�ter meio an�rquico do governo. Na elei��o mais recente, ningu�m conseguiu a maioria suficiente para governar. Os conservadores ficaram em primeiro lugar, mas os partidos de esquerda (o Socialista, o Comunista e o Bloco de Esquerda) armaram uma improv�vel alian�a (comunistas e socialistas sempre foram advers�rios) e montaram governo.
A m�dia chama a coaliz�o governista de "a geringon�a". Adoraria saber o que picham hoje os anarquistas.
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