Sou firme defensor da migração negra inversa: negros retornando de cidades do norte e do oeste dos Estados Unidos para os estados sulinos, para concentrar o poder político.
Essa migração inversa já estava acontecendo antes de eu começar a defendê-la e continua firme. Como o demógrafo William H. Frey escreveu em setembro para o Brookings Institution, a inversão "começou como um fiapo d’água na década de 1970, cresceu na década de 1990 e desde então converteu-se num verdadeiro êxodo de muitas áreas do norte".
Esse movimento tem muitas razões, sobretudo econômicas, mas eu proponho especificamente que se acrescente a elas o ganho de poder político —ao nível estadual.
Uma das formas em que as pessoas muitas vezes rebatem o que estou propondo é falar da oposição e reação contrária ao crescimento da população negra e da base de poder negro nos estados sulinos. Bem, a Geórgia está funcionando como campo em que essa discussão está sendo posta à prova na vida real.
Depois do segundo turno eleitoral na Geórgia em que Raphael Warnock derrotou Herschel Walker, ouvi muitas pessoas dizendo alguma versão de "sim, mas a diferença de votos foi muito pequena".
Me pareceu que esses comentários, além de muitos outros, deixaram de captar o ponto mais importante: alguma coisa absolutamente histórica está acontecendo na Geórgia, algo que aponta para um realinhamento político enorme em vários estados do sul.
Os eleitores da Geórgia provaram neste ano que a eleição histórica de um senador negro de um estado sulino por uma coalizão liderada sob muitas formas por pessoas negras não foi um acaso feliz.
E essa coalizão reelegeu Warnock para o Senado, derrotando uma oposição ferrenha. Não apenas a Legislatura do estado e o governador Brian Kemp fizeram tudo que estava a seu alcance para suprimir a participação dos eleitores —tática que quase sempre visa marginalizar não brancos—, como os republicanos compareceram em peso para tentar conservar o poder, que consideram estar escapando.
Além disso, o comparecimento de eleitores negros à eleição geral foi baixo. Segundo Nate Cohn, a parcela negra do eleitorado caiu para o nível mais baixo desde 2006.
Mas no segundo turno da disputa pela vaga de senador, quando as opções se estreitaram e definiram melhor, a coalizão a favor de Warnock voltou com tudo, mais forte e desafiadora.
Segundo o gabinete do secretário de Estado da Geórgia, negros formam apenas 29% dos eleitores ativos registrados no estado. Eles tiveram presença excepcional na votação antecipada. Foram às urnas para provar alguma coisa. Votaram para mudar a situação. Segundo um estudo do Pew Research Center, o número de negros registrados para votar na Geórgia subiu 25% entre 2016 e 2020, um aumento muito maior que qualquer outro grupo racial.
Sim, muitas pessoas, como eu, ficaram ofendidas com a presença de Herschel Walker como a opção alternativa e votaram tanto para contestá-lo quanto para afirmar Warnock.
Mas mesmo em relação a isso acho que precisamos recuar um passo, respirar fundo e avaliar calmamente quão histórica foi sua presença. A estrutura de poder na Geórgia ficou tão chocada com o que realizou essa coalizão liderada por negros que deixou Donald Trump lhes impor um republicano negro totalmente desqualificado, pensando que ele os ajudaria a recuperar o poder.
Os republicanos da Geórgia pensaram que conseguiriam dividir o voto negro. Não conseguiram. O voto negro se manteve unido e forte.
Para mim, como cidadão e eleitor negro, a compreensão desse fato provoca um júbilo enorme, quase indizível. Essa nova e espantosa realidade da política eleitoral demoliu quaisquer mentiras que ainda restassem sobre liderança negra inferior ou eleitores negros desregrados. Os eleitores negros querem o que qualquer outro eleitor deve querer: líderes sólidos que lhes deem ouvidos.
Algumas pessoas podem olhar para a derrota de Stacey Abrams na eleição para o governo e enxergar nela um aviso de cautela, um sinal de que o "velho sul" continua vivo e forte. Mas eu a enxergo de outra maneira. Ninguém abre mão do poder passivamente. Quem o detém luta com todas suas forças para conservá-lo. E, nessa luta pelo poder, alguns dos que têm o poder nas mãos vão vencer algumas das batalhas.
Cada eleição vai depender dos candidatos e das campanhas. A disputa entre Kemp e Abrams não é uma previsão do que é possível. Os eleitores negros na Geórgia ficam lembrando a si mesmos o que é possível quando eles concentram sua atenção e seus esforços, como fizeram neste segundo turno.
Esse tipo de engajamento é psicologicamente poderoso, assim como é a recompensa da vitória. Me parece que a partir do momento em que as pessoas sentem o gostinho do poder, o poder estadual, será difícil afastá-las disso. Ter o poder começará a ser sentido como algo normal e previsto. Essa é uma realidade que muitos nos EUA temiam havia séculos. É uma realidade que hoje me dá grande alegria.
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