Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Ex de Ana Hickmann denuncia abusos contra os homens

As mulheres 'foram longe demais' na conquista dos seus direitos

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Finalmente um homem teve a coragem de denunciar violências praticadas por mulheres. Com tantos progressos do século 21, é um absurdo que os homens continuem sendo vítimas da desigualdade de gênero na nossa sociedade matriarcal.

Conhecido como o ex-de-Ana-Hickmann, o pré-candidato a vereador de São Paulo publicou um vídeo no Instagram na última sexta-feira (21) com uma campanha para encorajar os homens a lutarem contra os abusos que sofrem diariamente.

Ele revela que muitos homens sofrem violências, pasme, das suas próprias esposas, mas têm vergonha e medo de denunciar.

"Primeiramente, muitos homens sofrem de vergonha e estigmatização ao tentar denunciar os abusos", disse ele, acrescentando que além do constrangimento, os homens temem que novas agressões possam acontecer em retaliação às denúncias.

Mulheres puxam juntas o que parece ser uma corda a partir de uma parede (ou muro); elas estão contra a luz do sol, que tinge a imagem de cor amarelada
Protesto de mulheres no 8 de Março na Cidade do México - Raquel Cunha - 8.mar.2024/Reuters

Sem medo nem vergonha, o sujeito, que já foi acusado publicamente por Ana Hickmann de violência doméstica, agora embarca na tendência da inversão: violentas são as mulheres, nós é que somos vítimas. Os homens apenas se defendem.

Para tranquilidade e segurança das vítimas, ele disponibilizou um número de WhatsApp para denúncias. Agora sim, os homens podem andar tranquilos pelas ruas escuras e nos transportes públicos sem ser assediados e importunados por mulheres taradas soltas por aí.

O ex-de-Ana-Hickmann é o mais novo representante no tipo de masculinismo que usa a tática de desviar o foco dos problemas sistêmicos enfrentados pelas mulheres para normalizar a desigualdade de gênero.

A técnica não é nova. Nos anos 80, quando as mulheres começavam a conquistar mais espaço, surgiram várias manifestações, como o movimento Backlash, que questionava o direito de autonomia das mulheres. Afinal, elas tinham ido longe demais.

Depois de algumas décadas, pipocaram os Red Pills para despertar a sociedade das injustiças sofridas pelos homens. Para eles, as mulheres exageraram e inventarem problemas para justificar suas demandas e acreditam (ou fingem acreditar) que o feminismo moderno não busca igualdade, mas sim a supremacia feminina.

O Red Pill, pílula vermelha, faz alusão ao filme "Matrix" (1999), em que o protagonista tem dois caminhos para escolher: tomar a pílula azul e submergir no seu mundo de ilusões ou optar pela vermelha, que o fará enxergar a realidade nua e crua. O macho que inverte o discurso é o sábio da pílula vermelha.

Vamos às inversões. O ex-de-Ana-Hickmann se refere à subnotificação de violências sofridas pelos homens, quando, na verdade, essa é uma das principais causas da perpetuação dos crimes contra a mulher.

Dados oficiais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2019 revelaram que só 10% dos casos de estupro são noticiados às autoridades. Considerando que os agressores tipicamente agem em série, a subnotificação facilita que os crimes continuem —e impunemente.

Medo sentem as mulheres agredidas fisicamente. Vergonha sentem as mulheres esmagadas psicologicamente. Trauma sentem as mulheres abusadas sexualmente, que não conseguem lidar com o sofrimento adicional que pode resultar da denúncia.

A campanha a pré-candidato do ex-de-Ana-Hickmann ganhou apoio de algumas mulheres, que endossaram ideias que sempre desfavoreceram a luta feminina. "Sim, essa pauta é importantíssima. Há muita mulher usando Maria da Penha falsamente", escreveu uma seguidora. Outros comentários seguiram a linha do marido dodói, por causa do novo relacionamento de Ana Hickmann "a cama nem esfriou e ela já está com outro".

A onda de mulheres que institucionalizam ideias masculinistas é mais comum do que se imagina. A deputada estadual do Maranhão Mical Damasceno (PSD), que ocupa o cargo graças às conquistas femininas, do contrário ela nem teria direito ao voto, falou em uma sessão plenária de abril que a mulher tem que entender que ela "deve submissão ao marido, doa a quem doer".

Só não entendi o que ela estava fazendo em plena quarta-feira na Assembleia Legislativa e não em casa descascando cebola e costurando as meias furadas do marido.

É óbvio: existem mulheres violentas e abusivas, que usam os filhos para se vingar do ex, que manipulam psicologicamente os homens, que traem, que cometem crimes contra os homens. Mas os crimes de poder são eminentemente masculinos.

O ex-de-Ana-Hickmann não está sozinho. Além das esposas-troféus que estão fazendo barulho nas redes, existe uma gama de influenciadores e coaches do tipo interpretado por Tom Cruise no incrível "Magnólia" (1999), que tentam dar suporte aos homens. "Experts" no assunto, eles acreditam que o feminismo é uma ameaça à masculinidade.

Um Manual Red Pill, machista assumidíssimo, foi desenvolvido por um coach brasileiro para socorrer os homens indefesos. Seu mantra: mulher independente não é flor que se cheire, mulher decente é mulher submissa.

Pelo jeito o homem com tendências ao machismo explícito, preocupado com sua fragilidade, precisa mesmo de gurus para se guiar quando entra em crise com a própria masculinidade.

"Você nunca mais vai passar pelo papel de trouxa na sua vida", é o lema do livro "Antiotário", escrito por outro representante brasileiro dessa mentalidade reacionária. Ele reproduz bombasticamente o mesmo alerta: as mulheres manipulam os homens para dominá-los.

Com o intuito de salvá-los desse perigo, ele dá (vende) dicas para preparar os homens a se protegerem das mulheres interesseiras e manipuladoras. De quebra, aproveita para ensinar a arte da sedução masculina. Tudo isso por um preço, ou melhor, um investimento módico, considerando o custo-benefício.

Como se vê, não faltam Tiriricas na política nem otários para seguir manuais.

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