Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

'Flow', como alcançar o êxtase no cotidiano

A experiência de puro êxtase, ou 'flow', ocorre quando a mente humana consegue alcançar um foco único

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A palavra êxtase vem do grego ékstasi, que significa se deslocar, ficar de lado. É essa a ideia de felicidade para os gregos: a sensação de tirar alguém de sua própria mente, de se permitir ir além de si mesmo, em bom português, se "desensimesmar".

A experiência de puro êxtase é chamada de flow, estado de fluxo, que acontece quando a mente humana consegue alcançar um foco único, proporcionando um prazer pleno na execução da tarefa presente.

Não é coisa exclusiva para monges budistas, todos nós conseguimos chegar ao estado de êxtase do foco total, desde que... tenhamos foco. Não precisa de muito, de altas meditações ou transes. Pelo contrário: precisa de menos. Menos distração, menos velocidade, menos dispersão.

A experiência de 'flow' acontece quando a mente consegue atingir um foco único, como na execução de uma tarefa no presente - Oksana Stepova/Adobe Stock

Somos presas fáceis dos "usurpadores de atenção" da vida moderna e acelerada. Com tantos estímulos que chegam até nós, é inevitável cairmos na armadilha das "diversões vazias" que ocupam o tempo e não nos conectam a nada, a ninguém, e muito menos a nós mesmos.

Sou especialista em olhar para a pulga e não para o cachorro. Presto mais atenção nas tarjas que passeiam na parte inferior da tela dos telejornais (chyron) do que na voz do apresentador; vivo encontrando afazeres no trajeto quarto-cozinha até me esquecer a razão de ter ido até lá; nas reuniões facilmente me distraio observando mãos belas sobre a mesa; falo no celular, dirijo e penteio minhas sobrancelhas ao mesmo tempo.

Consciente disso, me desafiei a alcançar o gozo íntimo do prazer vivíssimo em alguns momentos do cotidiano, e escolhi o momento presente para vivenciar o referido prazer ao escrever essa coluna.

Concentração máxima. Segui todas as recomendações: silenciei as notificações do celular, fechei a porta do escritório, proibi as pessoas de me interromperem e me acomodei confortavelmente.

Me empenhei para eliminar qualquer distração ou barreira que me tirasse do momento presente, com o objetivo de alcançar uma imersão completa na atividade da escrita.

Foi como tentar dormir numa noite de insônia, quanto mais tentava não pensar em outras coisas, mais eu me dispersava. Quanto menos eu podia pensar no elefante rosa, mais ele aparecia na minha frente.

Não desisti. Me lembrei da história que o pai do flow, o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, contou a respeito de seu irmão mais velho, que passou sete anos em uma prisão na Sibéria depois da Segunda Guerra. Para não desmoronar emocionalmente, ele usou a técnica de se concentrar alguns minutos por dia nas pequenas coisas: "Ele conseguia passar 10, 15 minutos olhando um raio de sol na parede". Esse estado de fluxo, segundo Csikszentmihalyi, foi a sua grande salvação.

Mas eu ainda não conseguia enxergar o meu raio de sol e estava encarcerada no meu esforço para chegar à concentração máxima. Respirei fundo. Mentalizei: eu consigo. Dessa vez vai. Escrevi o título da coluna, já me preparando para o ápice do prazer. Logo me voltou à cabeça o Csikszentmihalyi, que contou que quando ele se envolvia nesse processo arrebatador, não sobrava atenção para sentir o seu corpo ou se preocupar com problemas pessoais. Era como seu corpo desaparecesse, não sentia fome nem cansaço. A existência era temporariamente suspensa.

Automaticamente meu estômago roncou e senti uma coceira no braço. 1 a 0 para o meu corpo. Pensei na comida do jantar, no médico da alergia e na pressa em chegar ao estado de flow para voltar aos meus problemas. Antes do mergulho interno, dei uma leve checada no celular (que eu tinha colocado com a tela para baixo, como se adiantasse alguma coisa), só para ver se tinha alguma coisa importante. Prometi que seria só uma olhada rápida e inocente. 2 a 0. Nada urgente. Apesar disso, fui tomada pela curiosidade dos áudios do grupo de WhatsApp das melhores amigas. Só uma última pausa ao meu processo de flow, pensei, logo depois eu retomaria com tudo. Ouvi as mensagens, me censurei para conter o riso, não queria atrapalhar o momento de concentração.

Mas não adiantou, me entreguei às bobagens e às gargalhadas e, sem nenhum esforço, entrei no estado de flow, natural e involuntário, que alcanço quando me junto às amigas.

É com elas que me sinto totalmente absorvida na sensação de energia, prazer e foco total. É nas minhas nadadas que alcanço o estado mental prazeroso que me faz perder o sentido de espaço e tempo. É nas horas em que me sento para escrever ou paro para ouvir música que vejo os raios de sol, mesmo no pior dos invernos. É nas minhas paixões que a fome e o cansaço desaparecem. É quando vejo os meninos dormindo em paz, que consigo alcançar o êxtase e sentir que o foco central da minha vida está fora de mim. É no conforto do abraço dos meus pais que a existência é temporariamente suspensa.

Descobri, antes mesmo de começar a escrever este texto, que a melhor forma de alcançar o flow é esquecer que você está tentando chegar lá.

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