Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Sua ligação é muito importante para nós

Parece que existe uma engenharia com formas cada vez mais sofisticadas de como não resolver problemas

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Apesar de saber que a minha ligação é muito importante para os bancos, operadoras de telefonia móvel, seguradoras, plataformas de streaming e outros tipos de prestadoras de serviços, não entendo por que os canais de atendimento me tratam com tanto descaso.

A espera, a música, os ramais, o supervisor, a ligação que cai, o recomeço da saga e, claro, os gerúndios —sim, eles ainda nos rondam.

"Me desculpe senhora, a senhora vai ter que estar ligando para outro número, deseja anotar senhora?" ... "te ajudo em algo mais senhora?" Já tentei explicar que "algo mais" pressupõe um "algo", mas a atendente (humana) educadamente me responde (mecanicamente) que compreende a minha insatisfação, porém não pode fazer nada "mais" por mim, senão pedir que eu espere na linha para avaliar o atendimento.

Funcionários de empresa de telemarketing; robôs estão substituindo profissionais - Mathilde Missioneiro - 8.set.2022/Folhapress

Para piorar o cenário, a maioria dos atendimentos hoje é realizada por robôs. Portanto: ou somos atendidos por pessoas sendo robôs, ou por robôs tentando ser gente. Para aprimorar e conferir mais humanidade aos chatbots, foram desenvolvidos processos de linguagens (como o PLN, LLM e afins) para ampliar o entendimento das máquinas.

Tenho percebido vozes menos mecânicas, algumas até entusiasmadas, para nos dar a sensação de que realmente existe do outro lado da linha um ser sensível aos nossos problemas.

O auge do realismo —e dos meus nervos— acontece quando sou obrigada a ouvir o som de digitação enquanto a máquina raciocina, tão real quanto as trilhas de risadas que eram usadas nos sitcons.

As opções oferecidas são limitadas, geralmente quatro ou cinco, que raramente incluem o nosso caso. Quando somos instados a pronunciar o motivo da ligação, temos que adivinhar a palavra mágica para que a máquina prossiga.

Apesar da tecnologia desenvolvida para detectar a linguagem humana de forma mais precisa, o que acontece é o oposto: somos nós que temos que pensar como os chatbots para sermos compreendidos.

Na última experiência que tive desse loop interminável de interações inúteis, me ouvi repetindo várias vezes a minha demanda, aumentando progressivamente o volume da voz como se isso fosse facilitar a comunicação, até que, farta, desisti e encerrei a conversa com um alto e bom som "ah, vai cagar", ao que a máquina responde, "entendi, você deseja pagar".

Esse é um assunto antigo, mas que nunca envelhece. Parece que existe uma engenharia voltada para engendrar novas formas cada vez mais sofisticadas de como não resolver problemas. Na hora da contratação as coisas funcionam perfeitamente, basta um clique para concretizar o negócio.

É quase como um casamento, só que em vez do "sim" damos o "clique". O problema é o depois, quando somos obrigados a percorrer um caminho tortuoso e torturante para fazer a coisa funcionar.

A vida é feita de escolhas.

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