Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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O que podemos aprender com Larissa Manoela

A mistura de positivo e negativo numa relação é pior do que uma relação puramente negativa

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Sabemos direitinho identificar as pessoas que nos fazem bem e as que nos parecem "tóxicas".

Mas como a vida está mais para The White Lotus do que para novela das oito, existe uma outra categoria que é mais difícil de distinguir: as pessoas híbridas, que algumas vezes nos fazem bem e outras mal, que às vezes são generosas e outras nos dão uma rasteira, que com uma mão dão e com a outra tiram. São conhecidas como "frenemies" —o oxímoro de FRiend com eNEMY, amigo e inimigo ao mesmo tempo.

Semana passada, Larissa Manoela abriu o jogo. Contar a sua história no Fantástico, para 1,5 milhão de televisões ligadas, não foi a sua maior coragem. Compreender, enxergar, identificar e denunciar para si mesma a relação ambígua que vivia com os pais, essa sim foi a sua grande coragem. Custou caro, R$ 18 milhões, mas a troca ficou barata.

Casal discutindo; a violência psicológica pode ser um dos sinais de um relacionamento tóxico
Casal discutindo; a violência psicológica pode ser um dos sinais de um relacionamento tóxico - Nathanael Kiefer/Adobe Stock

A mistura de positivo e negativo numa mesma pessoa é, na verdade, mais tóxica do que uma pessoa puramente negativa. Somos rápidos em nos afastar dessas últimas, mas toleramos relações ambivalentes por tempo demais, às vezes por uma vida inteira. As relações-gangorra, que transitam entre o saudável e o insalubre, nos imobilizam em um misto de desesperança e otimismo. Quanto mais próxima é a relação, mais ela nos prende. Caímos na armadilha do "não é tão grave", "um dia ele vai mudar", "isso é normal", entre tanto outros autoenganos. E adoecemos junto com a relação.

Pesquisas lideradas pelos psicólogos Julianne Holt-Lunstad e Bert Uchino mostraram que relações ambivalentes podem ser prejudiciais à saúde, mais nocivas do que relações puramente negativas. "A ambivalência interrompe o sistema nervoso parassimpático e ativa uma resposta de luta ou fuga. É desconcertante esperar um abraço enquanto se prepara para uma briga."

A primeira lembrança que tenho desse tipo relação vem de muito tempo. Éramos muito amigas desde a infância. Trocávamos confidências, aprontávamos juntas, éramos cúmplices uma da outra. Ela pedia pactos de amizade eterna e exclusiva (primeiro sinal), se incomodava quando eu ficava com outras amigas (segundo sinal) e disputava minha atenção com o meu namorado (terceiro sinal).

Quando terminei o namoro, essa amiga, que prefiro não revelar o nome para não expor a Helena, me apoiou como ninguém. Não me largava nenhum minuto, aguentava minhas dores, chamava meu ex de bunda-mole, me levava para sair. Só que depois de três meses, eu estranhei, ela passou a me evitar. Soube que ela estava namorando o ex-bunda-mole do meu ex-namorado. Ruth ou Raquel? Ambas. Quando hoje recebo mensagens de Helena nos meus aniversários, ainda me incomodo. Sinto saudades da amiga que ela às vezes era, e repulsa pela amiga que não foi.

Tive um companheiro de trabalho, muito inteligente, que me ensinou muito no início da profissão. Quando um dos colegas conseguia um bom resultado, ele ficava feliz e triste ao mesmo tempo: feliz pelo escritório, triste por não ter sido ele. Ao mesmo tempo que enriquecia o nosso trabalho, ele não suportava o sucesso que não fosse o dele. Muito tempo depois, nos livramos desse muy amigo e até hoje nos questionamos como aguentamos essa relação disfuncional por tanto tempo.

Embora nenhum relacionamento escape do risco de ser ambivalente, em diferentes graus, o terreno mais fértil para a mistura do saudável com o nocivo acontece entre casais. Críticas constantes, cobranças excessivas, tratamento do silêncio, ciúme exagerado. Não faltam formas de manipulação e controle em nome do "amor". Quem já passou por isso sabe: a intermitência de pequenos abusos disfarçados de afeto, com momentos de plenitude, é enlouquecedora.

Justamente por existir uma sutileza nessa mistura de sentimentos, as relações ambivalentes são as que mais nos pegam de surpresa. Liguemos o alerta.

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