O Sars-CoV-2 é um vírus pavoroso. Mas sua pandemia certamente foi piorada pela infodemia, que aqui no Brasil começou há dois anos.
A Organização Mundial de Saúde define a infodemia como o excesso de informação, incluindo "informações falsas ou enganosas em ambientes digitais e físicos durante um surto de doença".
A ignorância é comum. Até o começo do século passado, não sabíamos nem quais organismos causavam pandemias. O vírus influenza só foi isolado 15 anos depois da pandemia que causou em 1918.
Desinformação em saúde também é comum. Na busca por uma forma de controle sobre o que nos aflige, não faltam "terapias" para problemas que ainda não têm solução. Como a fosfoetanolamina, que já foi demonstrada como ineficaz contra o câncer em 2017, mas ainda pode ser comprada como suplemento alimentar.
E não foi diferente na Covid. No Irã, centenas morreram por beber metanol contra o coronavírus. Aqui na América Latina, as pessoas consumiram água com dióxido de cloro pelo mesmo motivo. Mas no Brasil as informações falsas e a desconfiança das autoridades de saúde foram promovidas pelas próprias autoridades.
Até março de 2020, o governo federal agiu proativamente para barrar o vírus e o ministro da Saúde avisou que o sistema de saúde chegaria ao limite de capacidade no final de abril. Daí em diante, começa o questionamento da severidade da doença (a "gripezinha"), a promoção da cloroquina, o movimento "O Brasil não pode parar" e a troca de ministros cada vez mais obedientes.
Um estudo publicado recentemente comparando as mortes por Covid nos municípios brasileiros mostra o estrago dessa campanha oficial. Em 2020, as mortes pela Covid seguiram fatores comuns a vários outros países: foram concentradas nas grandes cidades e nas regiões com menor infraestrutura de saúde, menor índice de desenvolvimento e maior concentração de renda.
Mas, em 2021, a onda da variante Gamma (a P.1) nos pegou quando muitos achavam que o pior já havia passado e depois da pulverização de medidas de saúde do Ministério para os municípios. Foi quando a infodemia fez o maior estrago.
Mentiras sobre a doença, tratamento precoce e kit Covid, o atraso na compra de vacinas e a vulnerabilidade de prefeitos à pressão de eleitores e da economia regional mudaram a distribuição das mais de 410 mil mortes registradas em 2021.
Nesta segunda fase da pandemia, entre muitas cidades que deveriam ter uma resposta à Covid comparável, aquelas com maior alinhamento eleitoral ao governo em 2018 tiveram significativamente mais mortes. Segundo os autores do estudo, no pior ano da pandemia, "ideologia e orientação política determinaram a capacidade de cada cidade de se proteger da infecção e os efeitos subsequentes sobre a mortalidade".
Estamos vendo menos mortes a cada dia no país graças às vacinas. Poderíamos ver números ainda melhores se incorporássemos ao SUS tratamentos que realmente funcionam contra a Covid, como anticorpos monoclonais e antivirais. Mas caminhamos na direção oposta.
A Anvisa, que agiu de maneira exemplar em relação às vacinas e à cloroquina, acaba de perder parte do controle sobre medicamentos com a sanção da lei nº 14.313, que autoriza o SUS a receitar e usar remédios fora das condições aprovadas pela agência —como o kit Covid.
Ainda tentam emplacar que a rainha do Reino Unido tomou ivermectina. Ainda querem pintar a pandemia de verde e chamar de endemia. A vacinação infantil ainda patina. A infodemia não acabou. E com a ajuda dela, nem a pandemia.
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