O ano de 2021 começou frenético. O Brasil voltou a registrar mais de mil mortes diárias por Covid, enquanto o Capitólio dos EUA foi invadido por terroristas. Lá, a comoção foi tão grande que duas redes sociais, Facebook e Twitter, bloquearam o presidente —talvez o único cala boca que já levou. Isso foi fundamental para que parasse de incitar mais ataques por seus seguidores fanáticos. E pode ser a solução para uma vacinação mais abrangente no Brasil.
No livro “The Misinformation Age”, os filósofos da ciência Cailin O’Connor e James Weatherall detalham estudos sobre a dinâmica de informação falsa e demonstram como fake news e desinformação não vão embora sem a escolha consciente de barrar algumas ideias do debate público.
A cloroquina, por exemplo. Outros países começaram testes clínicos assim que resultados positivos do uso de cloroquina para tratar Covid foram sugeridos. Na Suécia, os testes foram abandonados pois avaliaram que o risco de problemas cardíacos não compensava possíveis benefícios. Em outros países, os testes demonstraram que cloroquina não funciona. Questão resolvida. Mas não aqui. No Brasil, investimos milhões que fazem muita falta em comprimidos de cloroquina que não tratam Covid. E a política de saúde nacional substituiu distanciamento e máscara para evitar o vírus, que ainda não são recomendados pelo Ministério da Saúde, por “se exponha e faça tratamento precoce”. Informação errada que mata.
Como o levantamento “Political (self) Isolation” mostrou, o Brasil é o último país onde notícias falsas sobre tratamento com cloroquina circulam, pois não é uma questão científica, é uma questão partidária cooptada como identidade de grupo. Se quem é de direita toma cloroquina, e quem não toma? Como os filósofos discutem, nessa situação a informação falsa não para. Mesmo se especialistas demonstrarem que ela não funciona, o que já fizeram, quem assimilou tratamento precoce como algo identitário deixa de acreditar em quem contesta isso antes de abrir mão da crença. Também não faltam “especialistas” que apoiam a causa para participar do grupo, e as redes sociais mantêm a chama dessa propaganda falsa acesa.
Agora que temos vacinas contra a Covid, esse dilema continuará matando, já que dependemos da maioria da população ser vacinada e o movimento negacionista antivacina é feito por quem leva ignorância para muita gente. Temos muitas discussões importantes, como sobre vacinar crianças, já que não participaram dos testes. Agora, se alguém terá seu DNA alterado ou ganhará um chip 5G depois de ser vacinado, não é uma pergunta válida. Mas cientistas, profissionais de saúde e divulgadores científicos podem fazer o estardalhaço que for que não corrigirão isso. Se a informação falsa sobre vacinas não for barrada na imprensa e em redes sociais, só uma vacinação compulsória chegaria em proporções suficientes. Um apelo autoritário, de uma forma ou de outra.
Chegamos no mesmo impasse dos EUA, onde tiveram que calar o presidente em redes sociais. Sem isso, um grupo inteiro da sociedade continua acreditando em um mito. Não devemos abrir mão do poder de escolha e da liberdade de expressão. Mas como outro filósofo, Jason Stanley, lembra em sua obra “Como Funciona o Fascismo”, para que escolhas sejam realmente livres, quem escolhe precisa ser bem informado. Quem é enganado é privado de escolhas. E quem escolhe não se vacinar porque não quer virar jacaré e prefere pegar Covid porque é só uma gripezinha está muito enganado e condena muitos a pagar pelo erro.
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