Se tem uma competência particular dos vírus é a variabilidade. Como são mais simples do que eu e você, que temos células, o próprio processo de copiar o seu material genético quando se reproduzem é mais falho do que o nosso. Isso gera mais erros a cada nova partícula viral produzida.
E vírus que têm um genoma de RNA, como o coronavírus, o vírus da dengue e o HIV, são ainda mais propensos a erros quando se reproduzem. Cada célula invadida por vírus pode produzir milhares de partículas virais, cada uma com algumas variações. A variação é o arroz com feijão da evolução.
Isso pode fazer toda diferença para o surgimento ou o espalhamento de uma doença. Muitas doenças emergentes que surgiram nas últimas décadas são causadas por vírus: chikungunya, zika, Sars, Covid-19, etc. Isso acontece em parte porque os vírus de outros mamíferos conseguem mudar tão rápido que, se dermos bobeira, eles se adaptam ao hospedeiro humano e circulam causando epidemias. Por isso, nossa invasão em ambientes silvestres onde vivem outros mamíferos com seus vírus é preocupante.
Essa evolução rápida e o salto para um novo hospedeiro explicam a Covid-19. O surgimento e o espalhamento do coronavírus Sars-CoV-2 na China foi especialmente surpreendente pela velocidade com que conseguiu ser transmitido entre humanos. Outros surtos como o da Sars ou mesmo do ebola em 2014 foram interrompidos antes que os vírus que os causaram evoluíssem a ponto de serem bem transmitidos entre humanos.
No caso do Sars-CoV-2, chegamos tarde demais. Quando nos demos conta dele, ele já era capaz de se transmitir bem entre as pessoas, o que indica que ou ele evoluiu em um hospedeiro que por coincidência provocou as adaptações certas para humanos —e o pangolim é o maior suspeito— ou circulou entre humanos por meses até acumular as mutações certas e causar o surto em Wuhan. Não sabemos ainda qual dos dois cenários ocorreu.
A velocidade com que vírus evoluem também atrapalha nossa imunidade. Conforme o vírus da gripe circula pelo mundo infectando pessoas, ele acumula pequenas mudanças. Depois de um ano ou dois, ele muda o suficiente para escapar do nosso sistema imune e poder nos infectar novamente. No caso do Sars-CoV-2, até aqui, ele não conviveu o suficiente com pessoas imunes para vermos esse tipo de evolução acontecer. Pode ser que isso aconteça futuramente. E a estratégia que teremos que adotar é a mesma da gripe: atualizar vacinas regularmente e fazer novas campanhas de vacinação.
Além disso, conforme os países analisam os genomas dos coronavírus circulantes na pandemia, vemos o surgimento de novas variantes. A evolução não favorece os vírus que matam mais ou menos os seus hospedeiros. Ela favorece os vírus que se transmitem mais, independentemente do que isso cause em quem adoece. E tudo o que sabemos até aqui é que a variante B.1.1.7 faz justamente isso. Essa variante, que foi primeiro detectada no Reino Unido, parece ser mais transmissível, tanto que está rapidamente se tornando mais comum do que as outras na região. Mas a proporção de infectados que precisam de hospitalização é a mesma.
Isso é acompanhar a evolução em tempo real. Variantes mais infecciosas devem surgir ou já existem, mas em regiões que não testam tanto quanto os ingleses. Essa evolução acontece porque o vírus consegue se reproduzir e continuará acontecendo enquanto tivermos casos.
Manter o distanciamento e usar máscaras é uma barreira contra qualquer coronavírus, do tradicional às novas variantes. A preocupação deve ser conter todos eles.
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