Se aceitarmos que de segunda a sexta-feira os dias são úteis, devemos necessariamente aceitar que sábado e domingo são dias inúteis. É inútil, portanto: ir ao cinema, ao teatro, fazer piquenique no parque com os filhos, almoçar com a família, tomar cerveja com os amigos, ler um livro, passar a madrugada acordado vendo “Seinfeld” ou “Amarcord”.
De fato, todas as atividades supracitadas são inúteis se medidas pela régua da produtividade. Claro que se pode defender filmes, séries, peças e livros afirmando que o enriquecimento cultural faz de você um melhor profissional. Também deve ser possível defender o piquenique com os filhos ou a cerveja com os amigos afirmando que pessoas que cultivam laços familiares e sociais são mais estáveis, seguras e resilientes no trabalho. Mas essa lógica que avalia as experiências culturais e as relações afetivas por seus incrementos à carreira, que justifica a própria felicidade por sua contrapartida laboral, é a lógica dos que batizaram os “dias úteis”. Prefiro, em vez de tentar encontrar o que há de útil no supostamente inútil, enxergar o que há de inútil no útil.
Embora o senhor ou a senhora certamente discordem, são absolutamente inúteis. Não se ofendam, eu também sou. Daqui a cinquenta, cem, mil, dez mil anos, ninguém vai se lembrar de nós. Talvez, inclusive, porque daqui a cinquenta, cem, mil, dez mil anos, já não haja mais ninguém aqui para se lembrar de coisa alguma, pois a humanidade pode já ter se extinguido. A humanidade, aliás, também é inútil. A Terra não só viveria perfeitamente sem nós como certamente viveria melhor. A Terra, aliás, também é inútil. Uma bolinha perdida girando em torno de uma estrela entre outros 200 bilhões de estrelas de uma galáxia entre outros 2 trilhões de galáxias.
Apesar de nossa astronômica insignificância, andamos por aí afobados, crentes de sermos os centros do universo, conferindo o WhatsApp a cada trinta segundos e falando orgulhosos “desculpa mandar áudio, é que eu tô correndo pra uma reunião, preciso da planilha de custos da mudança no material de revestimento do araminho de fechar pão até sexta, isso é muito importante, tá ouvindo?! Até sexta!”
Às vezes eu penso no cara que inventou o araminho de fechar pão. Imagino-o esbaforido pelos corredores de uma de suas fábricas, dizendo pra secretária ligar para a sua esposa e avisar que não volta para jantar, terá uma reunião crucial para seu império de araminho de fechar pão, ele não descansará enquanto em algum canto do globo um pão ainda for fechado de outra forma que não com seu araminho de fechar pão. Um gênio, ele devia se achar. O centro do universo. O homem que revolucionou a maneira de fechar pão.
Cada um de nós tem seu araminho de fechar pão e se dedica de segunda a sexta a essa missão tão crucial e inútil para o futuro do cosmos. A juventude escoando, os filhos crescendo, os amigos se distanciando e a gente aqui, se achando super cool por estar suando às bicas sob esses antolhos contemporâneos, acreditando piamente que há mais virtude em pagar um boleto na internet às oito da manhã de segunda do que em assistir “Seinfeld” ou “Amarcord” na madrugada de domingo. Eta vida besta, meu Deus.
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