Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Descrição de chapéu Banco Central copom juros

Ancoragem de expectativas e controle da inflação

Diante da baixa previsibilidade no horizonte, BC acerta ao adotar postura cautelosa e se mostrar mais dependente dos dados

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A reação dos mercados locais ao aumento da incerteza nos últimos dois meses levou o Banco Central do Brasil a reconhecer a maior desancoragem das expectativas de inflação.

Ou seja, os agentes econômicos estão menos confiantes na capacidade da política monetária de levar o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial do país, para a meta confirmada pelo atual governo (3%), ainda que alguns meses à frente.

Para que as expectativas inflacionárias estivessem ancoradas, o conjunto de agentes responsáveis pela formação de preços na economia deveria acreditar que no futuro próximo a inflação seria de 3%, não os 3,8% atualmente esperados para 2025, de acordo com o boletim Focus, do BC.

Sede do Banco Central, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Não foi sempre que os bancos centrais atribuíram tanta importância ao que o mercado projeta para a inflação. Até a década de 1960, a política monetária mundial era governada pelo dilema entre a inflação corrente e o desemprego.

A Grande Inflação americana dos anos 1970 e do início dos anos 1980 deixou claro para economistas importantes, como Edmund Phelps e Milton Friedman, que os agentes econômicos eram, sim, capazes de antecipar as tentativas dos formuladores de política econômica e de se aproveitar de brechas nessas escolhas.

Consumidores e produtores buscavam se proteger de surpresas inflacionárias ao introduzir suas expectativas de inflação na formação dos seus preços.

Foi dessa experiência de colapso do controle da inflação corrente que se firmou a Lei de Goodhart (uma homenagem ao economista que lhe deu origem, Charles Goodhart): quando a medida (nesse caso, a inflação corrente) se torna um objetivo em si, ela deixa de ser uma boa medida.

Foi com o surgimento dos adventos de profecias autorrealizáveis na teoria econômica que as expectativas ganharam relevância. Os agentes, ao projetarem uma inflação mais alta, buscam se proteger dela, exigindo salários maiores ou estabelecendo preços mais altos, e sancionam as expectativas nos preços atuais.

Há ampla construção teórica sobre como expectativas de inflação são formadas e como afetam as decisões dos agentes econômicos, sejam eles empresas, sejam investidores, sejam consumidores, embora ainda haja dúvidas sobre como, quando e com qual velocidade isso ocorra.

Apresentada em 1958, a famosa curva de Phillips, que mede o dilema entre inflação e desemprego, em uma das suas versões, assume que a inflação corrente seria o principal determinante na formação de expectativas para o futuro.

Na versão proposta em 1983 por Guillermo Antonio Calvo, os preços seriam mais rígidos, pois há o chamado custo de menu, ou o custo de atualizar os cardápios que contêm os preços dos produtos. Para evitar esse custo, as empresas ficam sem alterar o preço por algum período de tempo, o que, por outro lado, faz com que tenham de incorporar suas expectativas sobre a inflação futura nos preços de hoje.

A proposta de Nicholas Gregory Mankiw e Ricardo Reis (2002), por sua vez, prevê a reprecificação em todos os períodos, mas assume rigidez no fluxo de informação da economia. Em outras palavras, existe um custo para a firma atualizar as informações relevantes para sua decisão de preços, então eles não são atualizados em todos os períodos.

Nessa versão, é o valor das expectativas do passado sobre o período corrente que forma expectativas futuras. Sob uma visão mais empírica, condições esperadas de emprego, atividade e resultados fiscais são fatores que costumam ter alta relevância na formação de expectativas.

Recentemente, os pesquisadores brasileiros Carlos Viana, Silvia Matos e Marco Bonomo conseguiram comprovar, com microdados disponíveis entre 2008 e 2020, a influência das expectativas de inflação na fixação de preços de bens e serviços. Revelam, aliás, que o nível da inflação esperada também importa para a aceleração das expectativas e, portanto, da própria inflação.

Por isso, preocupação tão grande ronda o tema na atualidade. Ancorar expectativas em torno do centro da meta facilita a ancoragem da própria inflação em torno do alvo central, ao enraizar a meta no processo decisório de preços e salários.

Atualmente, temos as medidas de expectativas trazidas por pesquisas (pesquisa Focus, do BC) e por medidas implícitas nos ativos no mercado (nas letras do Tesouro, por exemplo).

O próprio BC vem tentando ampliar a gama de medidas disponíveis e pretende iniciar a divulgação de expectativas empresariais sobre variáveis macroeconômicas no segundo semestre deste ano, conforme reportagem veiculada na Folha em 15 de maio passado.

No contexto atual, há ao menos uma certeza: as expectativas de inflação têm grande importância para a condução da política monetária e para o seu sucesso no alcance da meta inflacionária. Assim, a postura mais cautelosa trazida pela comunicação mais recente do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC, preferindo ser mais dependente dos dados, é a mais adequada.

Vale lembrar que o mesmo processo de desancoragem de expectativas de inflação ocorreu até o início do ano passado e foi parcialmente revertido por duas medidas principais: a confirmação da meta de inflação de longo prazo em 3% e a aprovação de um novo marco fiscal com um compromisso político de ajuste gradual nas contas públicas.

Assim, reafirmar e reforçar ambos os compromissos anteriores (cumprimento da meta de inflação de 3% e ajuste fiscal) com medidas firmes do lado da política monetária e da política fiscal trariam os mesmos efeitos já experimentados: redução dos riscos para consumidores e investidores, convivência com taxas de juros estruturalmente mais baixas e crescimento econômico mais sustentado.

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