Os acontecimentos históricos costumam imitar uns aos outros até nos detalhes. O comboio russo que avança em direção a Kiev não pode confiar nas placas de orientação: elas foram trocadas ou invertidas para confundir o inimigo. Como conta Milan Kundera em seus romances, a mesma coisa aconteceu em 1968 durante a invasão da antiga Tchecoslováquia pelos tanques soviéticos.
Além da opressão, a burrice política também retorna em ciclos. Uma apresentação de "Romeu e Julieta" pelo Balé Bolshoi, transmitida para a televisão de 112 países em 1976, foi proibida no Brasil. A explicação revelou a lógica dos milicos no poder: o Bolshoi era russo, a Rússia comandava a União Soviética, portanto o balé era comunista.
No "Febeapá", Stanislaw Ponte Preta registra que em 1967 um filme clássico de Serguei Eisenstein, "Ivan, o Terrível" —a história do czar que viveu no século 16—, não pôde ser exibido em Belém do Pará. A censura era para impedir que o "credo vermelho" se difundisse entre nós. É bom ficar só nesses dois exemplos, para não dar ideia ao secretário de Cultura, Mario Frias.
Os marios-frias, no entanto, são muitos. No momento eles promovem uma temporada de caça a artistas russos, vivos ou mortos, a começar por Dostoiévski. Nem o fato de ter enfrentado quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria, para escapar à pena de morte, livrou a cara do autor de "O Idiota". Depois de eliminar Dostoiévski, a turma do banimento cultural pretende atacar novos alvos: a vodka, o strogonoff e o engov.
Do outro lado, Putin —atual crush de Bolsonaro— resolveu cancelar no varejo e atacado. Com Facebook e Twitter já bloqueados, prepara-se para desconectar a Rússia da internet mundial. Além disso, determinou 15 anos de prisão para quem divulgar "notícias falsas" sobre a guerra. Guerra, aliás, que não pode ser chamada pelo nome. O correto, para o Kremlin, é "operação militar especial".
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