� economista, cofundadora da Rede Meu Rio e diretora da organiza��o Nossas. Curadora do blog #Agora�QueS�oElas. Escreve �s segundas, a cada duas semanas
O ano do backlash
John MacDougall/AFP | ||
Donald Trump e Michel Temer |
Meu palpite � que, quando formos contar a hist�ria da luta feminista, antirracista e LGBT, 2017 ser� lembrado como o ano do backlash –termo gringo para rea��o a movimentos emancipat�rios. Afinal, foi em 2017 que 2016 tomou posse. E o que fizemos quando um monte de homens brancos mis�ginos dominou de vez o poder para atacar mulheres, negros, gays, imigrantes? Naturalmente, botamos a culpa nas mulheres, negros, gays e imigrantes. Nos EUA, os movimentos ditos identit�rios foram repetidamente culpados pela elei��o de Trump. No Brasil, o backlash ainda est� se organizando, mas j� se vislumbra, inclusive entre as cabe�as mais teoricamente progressistas.
A luta antirracista, por exemplo, tem tomado contornos cada vez mais decisivos no pa�s, sobretudo � medida que algumas de suas conquistas s�o amea�adas. E, no entanto, toma for�a tamb�m uma rea��o supostamente progressista a essa luta, que se apoia, sobretudo, na ideia de um pa�s miscigenado, onde ningu�m pode dizer, ao certo, se � preto ou branco. No caso da rea��o supostamente progressista ao movimento feminista, a premissa � distinta: parte da afirma��o (correta, a meu ver) da capacidade de cada um de empatizar com a dor do outro, e portanto aliar-se �s suas lutas, para justificar a conclus�o (incorreta, a meu ver) de que homens podem e devem criticar os m�todos do movimento e tra�ar limites � sua atua��o, sem sequer reconhecer a� um conflito de interesse.
No caso do argumento do Brasil miscigenado como for�a motriz do backlash aos movimentos anti-racistas, enxergo uma confus�o fundamental: n�o considero que a vis�o de um pa�s da mistura (for�ada ou n�o), onde cada um pode encontrar, em sua �rvore geneal�gica, negros e negras, seja incompat�vel com a certeza de que alguns, e apenas alguns, sofrem por serem percebidos como negros e negras hoje. Porque estamos falando, a�, de dois conceitos diferentes: por um lado, olhamos o fato (incontest�vel) de que a cultura, o sangue e o suor de negros e negras s�o tra�os inconfund�veis do pa�s, de sua forma��o. Por outro, estamos falando da viv�ncia, no presente, do racismo como estrutura violenta que incide sobre algumas pessoas e n�o outras, ainda que todas tivessem, em tese, algum antepassado negro.
O fato � que na hora de apanhar da pol�cia, ou ser desprezado na entrevista de emprego, o que conta n�o � o seu trisav� africano, � como voc� � percebido por quem est� na sua frente. E, se for percebido como branco, talvez a melhor forma de valorizar a mem�ria do seu trisav� africano seja reconhecer que a pessoa que hoje no Brasil se parece mais com ele � quem mais tem a te explicar sobre a viol�ncia sist�mica que ele sofreu. E que reconhecer essa diferen�a, longe de negar a miscigena��o como tra�o constitutivo da na��o ou da sua hist�ria familiar, � honr�-la, inclusive no que ela carrega de doloroso, e procurar dar aos negros no Brasil possibilidades distintas das que seu trisav� teve. Ou, no m�nimo, sair da frente quando eles lutam por isso.
No caso do movimento feminista e do argumento da empatia para que homens deem pitaco sobre seus rumos e ferramentas, vale lembrar que aliado de verdade quer ver mulheres contando suas pr�prias hist�rias e tra�ando seus pr�prios guias de atua��o. Ou, no m�nimo, sair da frente quando elas lutam por isso.
Em 2018, 2016 vai querer eleger pupilos e sucessores. O backlash, com certeza, vai crescer. Mas a luta continua.
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