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O que acontece quando a Nasa perde os olhos na Terra? Estamos prestes a descobrir

Três satélites em breve serão desligados, forçando cientistas a descobrir como ajustar suas visões do nosso planeta

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Raymond Zhong
The New York Times

Em algum momento nos próximos anos —ninguém sabe exatamente quando— três satélites da Nasa, cada um tão pesado quanto um elefante, ficarão sem energia. Já estão à deriva, perdendo altura aos poucos.

Eles têm observado o planeta por mais de duas décadas, nos ajudando a prever o clima, gerenciar incêndios florestais, monitorar derramamentos de óleo e muito mais. Mas a idade está chegando e, em breve, enviarão suas últimas transmissões e começarão sua lenta e final queda na Terra.

É um momento que os cientistas estão temendo.

Poeira do Saara sobre a Península Ibérica em registro feito pelo satélite Aqua, em 2016 - Goddard/Nasa/Jeff Schmaltz/Modis Land Rapid Response

Quando Terra, Aqua e Aura forem desligados, grande parte dos dados que coletaram terminará com eles, e os satélites mais recentes não compensarão toda a lacuna. Os pesquisadores vão depender de fontes alternativas, que podem não atender às suas necessidades, ou terão de procurar outras soluções.

Com alguns dos dados que esses satélites colhem, a situação é ainda pior: nenhum outro instrumento continuará coletando.

"Perder esses dados insubstituíveis é simplesmente trágico", disse Susan Solomon, química atmosférica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). "Justo quando o planeta mais precisa que nos concentremos em entender como somos afetados por ele e como o afetamos, parece que estamos desastrosamente adormecidos ao volante."

A principal área em que estamos perdendo visão é a estratosfera, o lar da camada de ozônio.

Através do ar frio e fino da estratosfera, moléculas de ozônio estão constantemente sendo formadas e destruídas, lançadas e varridas, à medida que interagem com outros gases. Alguns deles têm origens naturais; outros estão lá por nossa causa.

Um instrumento a bordo de Aura nos dá a melhor visão desse cenário, disse o cientista atmosférico Ross J. Salawitch, da Universidade de Maryland.

Dados desse instrumento têm provado seu valor de maneiras inesperadas, de acordo com Salawitch. Ele mostrou, por exemplo, o quanto o ozônio foi danificado pelos incêndios devastadores na Austrália no final de 2019 e início de 2020 e pela erupção vulcânica submarina perto de Tonga em 2022.

Se não fosse sair de operação tão cedo, esse instrumento também poderia ajudar a desvendar um grande mistério, segundo Salawitch. "A espessura da camada de ozônio sobre regiões povoadas no hemisfério norte mal mudou ao longo da última década", disse ele. "Deveria estar se recuperando. E não está."

Jack Kaye, diretor associado de pesquisa da Divisão de Ciências da Terra da Nasa, reconheceu as preocupações dos pesquisadores. Porém argumentou que outras fontes, incluindo instrumentos em satélites mais recentes, na Estação Espacial Internacional e aqui na Terra, ainda forneceriam "uma janela bastante boa do que a atmosfera está fazendo".

Realidades financeiras forçam a Nasa a tomar "decisões difíceis", ressaltou Kaye. "Seria ótimo ter tudo durando para sempre? Sim", respondeu ele. Mas parte da missão da agência também é oferecer aos cientistas novas ferramentas, aquelas que os ajudam a olhar para o nosso mundo de novas maneiras. "Não é a mesma coisa, mas, se nem tudo pode ser igual, você faz o melhor que pode."

No ano passado, a Nasa consultou cientistas sobre como o fim dos três satélites afetaria o trabalho deles. Mais de 180 deles responderam ao chamado.

Em suas cartas, que o The New York Times obteve por meio de um pedido de lei de acesso a informação, os pesquisadores expressaram preocupações sobre uma ampla gama de dados dos satélites. Informações sobre partículas em fumaça de incêndios florestais, poeira do deserto e plumas vulcânicas. Medições da espessura das nuvens. Mapas em escala fina das florestas, pastagens, áreas úmidas e de cultivo.

Mesmo que existam fontes alternativas para essas informações, os cientistas escreveram que elas podem ser menos frequentes, ter menor resolução ou estar limitadas a certos horários do dia, todos fatores que influenciam a utilidade dos dados.

O fim dos satélites Terra e Aqua vai impactar a forma como monitoramos outro importante controlador de nosso clima: quanto de radiação solar o planeta recebe, absorve e reflete de volta para o espaço. O equilíbrio entre essas quantidades —ou, na verdade, o desequilíbrio— determina o quanto a Terra se aquece ou esfria. E para entendê-lo, os cientistas contam com os instrumentos do Sistema de Energia Radiante da Terra e das Nuvens da Nasa, ou Ceres.

Atualmente, quatro satélites estão voando com instrumentos Ceres: Terra, Aqua e outros dois mais novos que também estão próximos do fim. No entanto, apenas um substituto está em desenvolvimento. Sua expectativa de vida? Cinco anos.

"Dentro dos próximos dez anos, vamos passar de quatro missões para uma, e a única restante estará ultrapassada", disse Norman G. Loeb, o cientista da Nasa que lidera o Ceres. "Para mim, isso é realmente preocupante."

Hoje em dia, com o surgimento da indústria espacial privada e a proliferação de satélites ao redor da Terra, a Nasa e outras agências estão explorando uma abordagem diferente para manter os olhos em nosso planeta. O futuro pode estar em instrumentos menores e mais leves, que poderiam ser colocados em órbita de forma mais barata e ágil do que Terra, Aqua e Aura foram em seu tempo.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica está desenvolvendo uma frota para monitorar o clima e o tempo. Loeb e outros na Nasa estão trabalhando em um instrumento leve para continuar suas medições do balanço energético da Terra.

Porém, para que essas tecnologias sejam úteis, Loeb disse, elas precisam começar a voar antes que os satélites atuais se apaguem.

"Você precisa de um bom período de sobreposição para entender as diferenças, resolver os problemas", afirmou ele. "Se não, será realmente difícil confiar nessas medições, se não tivermos tido a chance de comprová-las em relação às medições atuais."

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