Uma série de planos não convencionais financiados por empresas para explorar a Lua, incluindo seu uso como local para cinzas humanas e recipientes de bebidas, ganhou força nos últimos anos, à medida que a Nasa busca torná-la mais acessível. Porém, com esses mesmos planos, surgiu a preocupação sobre possíveis lacunas na supervisão dos Estados Unidos e sobre questões legais do uso adequado do satélite natural da Terra.
A expectativa é que, nos próximos anos, os módulos de pouso construídos por atores do setor privado e por potências espaciais emergentes se juntem à bandeira americana e a outros vestígios de programas passados na Lua. Outras iniciativas podem incluir o uso da Lua como local para cápsulas de restos humanos, publicidade de bebidas e talvez até uma cruz cristã de dois andares feita com a própria sujeira do satélite.
"Estamos apenas no início da exploração da Lua e precisamos ter cuidado para não contaminá-la —não apenas com contaminação biológica e química, mas também com lixo", diz Leslie Tennen, advogada especializada em direito espacial internacional.
Entre as cargas a bordo de uma recente missão lunar privada da empresa americana Astrobotic, que acabou não conseguindo chegar à superfície da Lua, estavam dezenas de cápsulas de cinzas humanas e uma lata da bebida isotônica japonesa Pocari Sweat.
Esses itens e qualquer outra coisa podem ser enviados à Lua desde que a Administração Federal de Aviação americana (FAA, na sigla em inglês) e outras agências certifiquem que o lançamento de uma carga útil de foguete da Terra não ponha em risco a saúde e a segurança pública, a segurança nacional dos EUA e ou as obrigações internacionais do país.
Hoje, inexistem leis ou padrões nos Estados Unidos que estabeleçam o que é aceitável na superfície do corpo celeste.
A Nasa, por exemplo, prevê a instalação de bases lunares de longo prazo e espera estimular um mercado comercial competitivo —a agência americana recorre vez mais a empresas privadas para reduzir os custos de viagens à Lua.
A falta de regulamentação preocupa advogados especializados em direito espacial. Eles temem que esse vácuo possa pôr empresas americanas em conflito com outros países que operam na superfície lunar. Também existe o receio de que surjam disputas internacionais sobre quais empreendimentos privados podem ser considerados apropriação de terras ou reivindicações de soberania.
O vácuo de diretrizes tem despertado o interesse de algumas pessoas.
Justin Park, empresário baseado em Washington, D.C., deseja construir uma cruz cristã na Lua, potencialmente tão grande quanto um prédio de dois andares e feita de sujeira lunar endurecida. O empreendimento, estimado em US$ 1 bilhão, foi discutido com legisladores americanos e organizações católicas.
"Ninguém é dono da Lua", disse Park. Regulamentações excessivamente restritivas para atividades no satélite, segundo ele, "destruiriam uma indústria antes mesmo de ela decole".
'Teste religioso'
A Celestis, sediada no Texas, que lança restos humanos cremados ao espaço e havia organizado as cinzas no módulo de pouso Peregrine da Astrobotic, foi criticada pela Nação Navajo, que considera a Lua sagrada e viu a missão memorial da empresa como um sacrilégio.
Para o CEO da Celestis, Charles Schafer, os memoriais dos mortos no espaço são inevitáveis à medida que mais humanos atravessam o cosmos.
"Não tomamos decisões de missões espaciais com base em um 'teste religioso'", disse Schafer. "Tenho uma foto de 20 mil monges budistas celebrando nosso lançamento. Então, qual religião prevalece?"
Os funcionários da Nasa responsáveis pelo programa que ajudou a financiar a missão da Astrobotic afirmaram que não têm controle sobre o que as empresas colocam em seus módulos de pouso e que padrões de carga útil podem ser criados no futuro.
"Você verá isso evoluir bastante ao longo do tempo", disse Chris Culbert, chefe do programa de Serviços Comerciais de Carga Lunar da Nasa. "Mas acho que o primeiro passo é um pouso bem-sucedido —é isso que mais nos importa nesses primeiros passos."
Alguns funcionários da Nasa e de agências espaciais de outros países consideraram as cinzas e a bebida esportiva como obstruções e lixo que estabeleceriam um precedente negativo, segundo dois funcionários dos EUA que pediram para não serem identificados.
Com outro módulo lunar privado dos EUA programado para ser lançado neste mês, a falta de regulamentação lunar corre o risco de pôr Washington em conflito com o Tratado do Espaço Exterior de 1967, amplamente ratificado, disseram advogados. Esse pacto estabelece que os países devem autorizar e supervisionar as atividades de entidades não governamentais.
Poucos países, contudo, adotaram padrões para o comportamento na Lua, e as regras permanecem incertas no direito internacional, na avaliação de advogados.
"Já estamos atrasados e precisamos começar agora, com muita urgência, a discutir a Lua em nível internacional", disse Martha Mejía-Kaiser, advogada espacial e membro do conselho do Instituto Internacional de Direito Espacial.
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