A imagem dos psicodélicos está mudando para melhor, ao menos entre eleitores americanos. Pesquisa de opinião patrocinada pela Universidade da Califórnia em Berkeley revela que 61% deles favorecem regulamentação do uso terapêutico de drogas como MDMA (ecstasy) e psilocibina (cogumelos).
Testes clínicos vêm atestando o potencial dessas duas substâncias para tratar, respectivamente, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT, em fase 3) e depressão (fase 2, em breve 3). Não surpreende, assim, que 78% dos 1.500 ouvidos por telefone e internet concordem com facilitar a pesquisa científica com elas.
"As pessoas que ouviram falar tendem a ter uma visão positiva. A mídia, me parece, mudou a direção da bússola. Quando fala sobre isso, tende a falar mais positivamente do que negativamente", diz o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, depois de examinar os dados da pesquisa.
Tófoli já se envolveu academicamente com várias enquetes sobre cânabis e psicodélicos. Para ele, esses dados assinalam "a reponsabilidade que a imprensa e os jornalistas têm agora de se informar para dar esse dado na medida certa".
"Ninguém quer que se reforce o estigma desnecessário, mas também que não seja um pânico moral às avessas. É fundamental a informação de qualidade".
O psiquiatra e pesquisador se refere à imagem negativa criada a partir da proibição dos psicodélicos na década de 1970. Houve muita propaganda governamental exagerada sobre seus efeitos, como a lenda de que muita gente se matou após consumir LSD –são casos raríssimos, mas marcam o imaginário até hoje.
A iniciativa da pesquisa partiu do Centro Berkeley para a Ciência de Psicodélicos, que tem entre seus fundadores o jornalista Michael Pollan. Ele é autor do best seller "Como Mudar sua Mente", obra que mais contribuiu para divulgar a mais nova ciência psicodélica, ressurgida na virada do século.
Em vídeo sobre os resultados da sondagem, o próprio Pollan lamentou o questionário não ter incluído perguntas sobre a confiabilidade da imprensa como fonte de informação na matéria. Os campeões de confiança entre americanos são enfermeiros, médicos e psiquiatras.
Talvez o dado mais surpreendente seja que metade (49%) dos eleitores dos EUA apoiem a descriminalização do uso pessoal e porte de psicodélicos. Verdade que 45% são contra, mas é clara a indicação de que os ventos mudaram.
Quando se trata de aplicações com que os entrevistados se considerariam confortáveis, em primeiro lugar aparecem doentes terminais (80% a favor). Depois vêm uso com recomendação médica (71%), veteranos de guerra (leia-se: TEPT, com 69%), ansiedade e depressão (67%), violência e abuso sexual (60%), luto por perda de filhos (56%).
Curiosamente, a resposta com aprovação mais baixa é permitir o uso religioso e espiritual. Foram 44% a favor e 48% contra.
"Há uma desconfiança quanto ao uso religioso", diz Tófoli. Ele destaca que isso fica claro quando se pergunta sobre fontes confiáveis de informação – a taxa mais baixa é dos religiosos, com 26% de aprovação e 63% de reprovação.
Há maioria (52%) a favor até de pessoas que possam beneficiar-se de psicodélicos mesmo sem prescrição médica. Nesse quesito se encaixariam o uso adulto ("recreativo") ou com facilitadores não-terapeutas, como os que foram legalmente autorizados nos estados Oregon e Colorado.
No entanto, o apoio para tratar dependentes químicos ficou em apenas 44%. Embora haja forte indicação de que psicodélicos sejam muito eficazes, o benefício comprovado em estudo recente sobre álcool da Universidade de Nova York não parece estar claro para o público, ainda desconfiado da noção de tratar abuso de drogas com outras drogas.
Há drogas e drogas, porém. Duas características pouco conhecidas dos chamados psicodélicos clássicos (como mescalina, LSD, psilocibina e DMT da ayahuasca) são o baixo potencial para dependência e o perfil toxicológico seguro, quando usados sob supervisão.
Nem tudo se mostra róseo na pesquisa de Berkeley, contudo. Ainda há muito preconceito com as substâncias alteradoras da consciência: só 32% dizem acreditar que sejam boas para a espiritualidade (ao contrário do que mostram estudos com pacientes terminais), e meros 24% que sejam mais seguras que álcool ou tabaco.
Nada menos que 58% consideram que psicodélicos tenham impacto negativo sobre a saúde, no longo prazo. Outros 59% avaliam-nos como perigosos. Mesmo entre os 61% que aprovam o uso terapêutico quase a metade (47%) afirma que eles não são bons para a sociedade.
Na avaliação de Pollan, subsistem fragilidades no apoio recente a tais substâncias. Ou seja, ele, seu centro e a imprensa ainda têm muito trabalho a fazer, oferecendo uma cobertura equilibrada para prevenir eventual revertério, se e quando se levantar a oposição contra elas –o que certamente virá.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.