Marco Algorta, um dos pioneiros do ramo de cânabis no Uruguai, e o gastroenterologista Bruno Rasmussen Chaves, de Ourinhos (SP), abriram oficialmente as Clínicas Beneva
Nos Estados Unidos, por exemplo, proliferam os centros para tratamento com injeções de cetamina. Um diretório de clínicas aponta mais de cem estabelecimentos norte-americanos que oferecem a terapia
A abertura da Beneva decorre de um acordo firmado em julho entre Algorta e Rasmussen Chaves. Na ocasião, a Bienstar comprou do médico a empresa BRC Saúde Mental e Terapias Assistidas e iniciou contato com clínicas psiquiátricas para oferecer terapias com cetamina na capital.
Cetamina e ibogaína são, por ora, as duas substâncias psicodélicas com que se pode trabalhar legalmente no país. Não são consideradas substâncias psicodélicas clássicas, como a psilocibina de cogumelos e a dimetiltriptamina (DMT) da ayahuasca, que ainda estão em estudo contra transtornos psíquicos e não contam ainda com autorização para uso clínico.
Assim como no caso da MDMA (base da droga recreativa ecstasy, ou "bala"), há quem prefira designar cetamina e ibogaína por um nome mais genérico, enteógeno (algo como manifestador do divino interno). MDMA, que se acha em fase final de aprovação nos EUA como adjuvante em psicoterapia para transtorno de estresse pós-traumático, é por vezes também chamada de empatógeno.
A cetamina é um anestésico dissociativo antigo, registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Vem sendo usado "off-label" para tratar depressão, pois tem a vantagem de agir mais rápido que antidepressivos como o escitalopram.
O enteógeno pode trazer melhora em horas ou dias, e não semanas. Isso pode ser decisivo para pacientes com ideação suicida ou que não obtêm resultado com os remédios disponíveis.
A farmacêutica Janssen lançou a variante escetamina na forma de spray nasal.
A ibogaína deriva originalmente da planta africana Tabernanthe iboga, usada ritualmente por adeptos da religião Bwiti no Gabão e países vizinhos. Nos anos 1960 descobriu-se que pode tirar a "fissura" de dependentes químicos, ou seja, atenuar sintomas da síndrome de abstinência e, assim, ajudar a prevenir recaídas.
Rasmussen Chaves começou a ministrar a ibogaína em 1997. Estudo retrospectivo da Unifesp com 75 de seus pacientes indicou que 70% deles permaneciam sem abusar de drogas ilícitas ou lícitas (como álcool) um ano depois do tratamento.
Alguns psiquiatras brasileiros já empregam a cetamina em seus consultórios, mas a Beneva é a primeira clínica nacional a se especializar nessa terapia psicodélica e contará para isso com apoio de anestesistas experientes na administração da substância. O plano é atender tanto pacientes da própria clínica quanto os referenciados por outros médicos.
No caso de ibogaína, os dirigentes da Beneva têm expectativa de receber também pacientes do exterior, como já acontecia ocasionalmente na prática clínica de Rasmussen Chaves. Dependentes químicos dos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, não têm acesso a essa droga.
No Brasil, isso é possível por meio de autorizações excepcionais da Anvisa. O medicamento não tem registro no país, mas a agência permite a importação, caso a caso, desde 2013 sob prescrição médica e para uso individual.
"Não é uma cura milagrosa", alerta Rasmussen Chaves, "mas, quando usada com cuidado e apoio psicológico, é um valioso tratamento alternativo para pacientes gravemente adictos que não obtêm resultados de sucesso com outras abordagens."
"Além de ser o principal mercado da América Latina, o Brasil nos permite aplicar tratamentos com ibogaína de maneira regulada e segura, com uma equipe que tem mais de 20 anos de experiência com essa substância", diz Marco Algorta, CEO da Bienstar. "Esse é um diferencial importante, e confiamos que isso contribuirá para nosso crescimento."
A Bienstar também pretende entrar nos mercados mexicano, panamenho, peruano e uruguaio. Sua sede fica no Brasil, pela massa crítica acumulada na pesquisa psicodélica, e no Uruguai, porque a situação financeira ali é mais confiável.
A empresa tem planos de investir não só em clínicas, mas também em educação médica e esclarecimento do público, pois ainda há muito preconceito com psicodélicos fomentado pela propaganda proibicionista da Guerra às Drogas. Com esse objetivo, programa realizar em 2023 um evento internacional com especialistas brasileiros e estrangeiros em ciência psicodélica.
"O Brasil tem 8 ou 9 dos 100 ‘top players’ de [estudos] psicodélicos", afirma Algorta. "É um celeiro."
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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".
Não deixe de ver também as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":
Cabe lembrar que psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
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