Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

Vidas Atípicas - Johanna Nublat
Johanna Nublat
Descrição de chapéu Todas maternidade

A mãe que não pode morrer

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Johanna Nublat

"Você já acordou com a sensação que já passou da metade da sua existência e que um dia não estará mais aqui para aplaudir cada conquista do seu filho? Ou, se caso ninguém conseguir falar com ele, ou se ele precisar de muito e muito apoio… Quem estará aqui por ele?"

"Uma sociedade onde nossos filhos tenham espaço para serem adultos, idosos… Onde seus pais tenham o direito de morrer!"

Esse trecho é de um texto publicado, no ano passado, em uma rede social, por Liliane Senhorini, professora, ativista e mãe de três autistas, que morreu precocemente no mês passado.

SÃO PAULO, SP - 28/05/2024 - Davi Silva Oliveira, 5 anos, durante acompanhamento para crianças autistas na AME Dr. Milton Aldred, no Grajaú, em São Paulo - Folhapress

A morte de uma mãe de autistas, aos 46 anos de idade, que argumentava por políticas públicas para que pessoas com deficiência estivessem amparadas na ausência da família — sobretudo das mães, que são as cuidadoras na maioria dos casos —, escancarou um pavor comum na maternidade atípica: quem vai ser o apoio dos filhos quando elas não estiverem mais aqui?

Melhor: quem vai ser o apoio dos nossos filhos quando nós não estivermos mais aqui?

A deputada estadual Andrea Werner, autista e mãe de um adolescente autista, conta que Liliane, de quem era amiga, fez muitos cursos ao longo da vida para trabalhar habilidades com os filhos, e que também usava esse conhecimento com seus alunos.

"A Lili era uma multiplicadora de tempo. É um mistério como ela conseguia ser mãe de três autistas, ficar para cima e para baixo levando em terapia, fazer as próprias intervenções, dar aula na escola publica e ainda fazer os cursos que ela fez, além de atender todo mundo que procurava pedindo dicas de cursos e do que fazer com o filho."

A deputada continua: "Ela falou, numa live que eu fiz com ela: ‘Eu queria ter o direito de morrer’. Porque ela sabia da importância dela no núcleo familiar para os três filhos autistas dela. Ela sabia, também, da falta de suporte em geral, de redes de apoio não só familiares, mas sociais e providenciadas pelo Estado. Que é aquele medo que nós, mães de pessoas com deficiência que precisam de muito suporte, têm: que a gente não pode morrer porque ninguém vai substituir a gente, não só naquilo que a gente faz no dia de hoje, mas onde nossos filhos vão morar? Quem vai cuidar deles? Porque o Estado não tem residências assistidas, para que nossos filhos tenham esse apoio depois que a gente morrer".

Uma dessas residências assistidas aparece na série americana "As We See It" (de 2022, da Amazon), que mostra três jovens autistas adultos, com necessidades de suporte distintas, que dividem uma casa e recebem visitas frequentes de uma terapeuta para discutir questões do dia a dia.

Como disse a deputada, no Brasil, ainda não temos essa possibilidade como uma política pública estruturada, adequada e disponível. Tampouco temos garantias de tratamentos corretos, na carga necessária e eficazes (nem no sistema público nem no privado). Apoio financeiro do Estado existe apenas (quando existe) nos casos de extrema vulnerabilidade.

No Brasil, pais de pessoas com deficiência ainda não podem viver em paz. E, como bem disse Liliane Senhorini, também não podem morrer em paz.

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