"Peças de um jogo sujo/ Curas para nenhum mal/ De falsos profetas lucro/ E de quem se afeta, caos."
"Quebra essa cabeça! Quebra essa cabeça!"
"Não aceito o seu luto/ Eu não sou o seu pesar/ Do seu mundo de absurdos/ Não vou me alimentar."
Na música "Quebra-cabeças", lançada em junho, a cantora e compositora Patricia Eugênio de Souza, 43, a Ilus, toca em pontos centrais para a construção da identidade de pessoas autistas, como o chamado luto dos pais que descobrem ter uma criança neurodivergente e promessas infundadas sobre uma possível cura para o transtorno.
Ao dizer "quebra essa cabeça", Ilus, ela própria autista, diagnosticada há dois anos, brinca com o controverso símbolo associado ao autismo e convida o público a repensar o senso comum.
"Como separar o autismo do indivíduo?", pergunta, em entrevista ao blog.
"Desde que nasci, eu experimento o mundo como uma pessoa autista. Eu não sei o que é ser uma pessoa típica. O que posso fazer é apenas um exercício de imaginação (…) Por ter facilidade no campo das artes e ter uma criatividade que me motiva, direcionei minhas dificuldades sociais para o campo artístico. Eu transformei meus desejos e minhas angústias em texto, música e desenho. Pude vê-los e senti-los de fora pra dentro e fazer outras pessoas entrarem em contato com esses sentimentos também", afirma.
Ilus diz que, com a música — e outras presentes no álbum "Natureza Líquida" —, pretende ampliar a visibilidade de pessoas autistas em espaços ainda não alcançados. E reforça a necessidade de remover "barreiras de acesso e permanência" a pessoas com deficiência.
"Eu sou bacharel e mestre em física e doutora em geofísica espacial, porque um ambiente tranquilo e organizado me permitiu chegar nesses lugares. No entanto, não consegui exercer minha profissão. Ao começar uma faculdade em música, um ambiente com muitos estímulos, atividades em grupo, que me demandava muitas habilidades que eu não tinha, fez com que eu pedisse adequações e elas não foram atendidas, por falta de um diagnóstico. É irônico como tenho mais fracassos na área em que tenho mais habilidades, pois lidei quase sempre com ambientes pouco inclusivos."
E ela completa: "Independente das minhas habilidades e limitações, concluo que o que me ajuda ou não na minha profissão é ter ou não um ambiente realmente inclusivo e condições de desenvolver minhas potencialidades"
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