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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Álcool, melatonina e zolpidem: o que melhora e o que piora o sono

Neurocientista explica impactos de hábitos e de uso de substâncias

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Uma mulher branca de cabelos castanhos está deitada numa cama, de olhos abertos, cobrindo seu rosto até a altura do nariz
Hábitos ruins e uso de algumas substâncias podem atrapalhar o sono - Alexandra Gorn/Unsplash
São Paulo

"O sono um é um processo necessário, não é opcional", afirma o neurocientista Andrei Mayer, professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e apresentador do podcast A Culpa é do Cérebro.

Com o estresse do dia a dia e hábitos que prejudicam o sono, é normal que esse período de descanso seja afetado. O problema é que uma noite mal dormida impacta todas as atividades do dia seguinte.

"Um adulto precisa dormir de 7 a 9 horas por noite. Essa história de que dormir apenas 5 horas é o suficiente é balela", diz Mayer.

Só que esse tempo não basta se a qualidade não for boa. É importante passar por todas as fases do processo, que incluem o sono profundo, quando há liberação de hormônios ligados ao crescimento e a restauração das células, e o sono REM, que é o período de intensa atividade cerebral quando ocorrem os sonhos e a fixação da nossa memória.

Na busca por noites melhores, muitas pessoas procuram remédios para dormir —como benzodiazepínicos (diazepam, alprazolam, midazolam) e imidazopiridinas (zolpidem)—, bebem uma dose de bebida alcóolica para relaxar ou tomam melatonina. Mas, às vezes, essas substâncias atrapalham mais do que ajudam.

O ideal, segundo o neurocientista, é mudar a rotina e incluir algumas práticas conhecidas como higiene do sono, que compreendem se expor mais à luz natural durante o dia, evitar beber café após as 15h e jantar duas horas antes de dormir.

As noites mal dormidas têm impacto a curto e a longo prazo. "O sono impacta praticamente todas as funções do nosso corpo e do nosso cérebro. Então tudo que a pessoa tem para fazer durante o dia vai ser afetado pela duração e pela qualidade do sono que ela teve na noite anterior e também que vem tendo nos últimos anos. Se a pessoa tem que estudar, cuidar dos filhos, treinar, manter uma dieta, lidar com pessoas, enfim, tudo vai depender de como ela dormiu", ressalta.

Alguns dos sintomas imediatos, ou seja, no dia seguinte após uma noite de insônia, são dificuldade de se concentrar —um déficit de atenção similar ao de uma pessoa com TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade)— humor deprimido, mau humor, ansiedade e desmotivação para qualquer atividade que exija esforço físico ou mental.

"A longo prazo, o sono de má qualidade pode predispor a pessoa a doenças crônicas como diabetes, transtornos metabólicos, alguns tipos de câncer e Alzheimer", alerta Mayer.

Abaixo, o neurocientista comenta alguns hábitos que têm impacto na qualidade do sono.

Zolpidem e outros remédios para dormir
"Atualmente, nós não temos nenhum fármaco que induza a um sono igual ao natural", define Mayer.

Para o neurocientista, o uso de qualquer medicamento para dormir deve ser encarado como algo paliativo, apenas para lidar com o problema pontualmente e, claro, sempre com o acompanhamento de um médico.

"A insônia só será resolvida quando a pessoa reajustar sua rotina. Ela tem que aprender a viver de uma maneira diferente, de forma que ela possa dormir naturalmente no horário certo e com a qualidade certa."

Em vez de ir ao médico para pedir uma receita, Mayer esclarece que o ideal é fazer uma consulta e um check-up para investigar se o paciente tem alguma comorbidade que está atrapalhando o sono.

"Talvez essa pessoa esteja dormindo mal por alguma condição de saúde. Pode ser um problema nas vias respiratórias que a impede de respirar adequadamente durante o sono, por exemplo. Também pode ser uma questão de saúde mental, um transtorno de ansiedade. Aí pode ser necessário fazer acompanhamento com um psicólogo", diz.

"Uma pessoa que depende de remédios para dormir, como zolpidem ou benzodiazepínicos, precisa saber que o sono que ela está tendo não é bom. É melhor do que não dormir nada? Sim. Mas na verdade ela está dormindo mal todos os dias", alerta.

Melatonina
A melatonina é um hormônio produzido pelo nosso próprio organismo quando a noite começa a cair e a iluminação natural diminui. Essa substância induz ao sono e pode ser produzida em laboratório, sendo vendida como suplemento alimentar.

Segundo Mayer, a melatonina sintética realmente pode ajudar a dormir melhor, mas seu efeito é muito pequeno.

"A melatonina pode ajudar a dormir no horário certo, com uma qualidade de sono melhor e com uma duração maior. Porém estudos de meta-análise mostram que o efeito dela sobre todos esses parâmetros é muito pequeno. Para ter uma ideia, um estudo de 2005 apontou que a latência é reduzida em quatro minutos, ou seja, a pessoa vai conseguir adormecer quatro minutos mais cedo. A eficiência do sono aumenta, mas apenas em 2.2%, e a duração total do sono aumentou apenas 13 minutos", afirma.

"Outro estudo, publicado em 2013, mostrou quase a mesma coisa. A latência para dormir, ou seja, o tempo que a pessoa demora para pegar no sono, tem uma melhora em torno de 7 minutos e a duração total do sono tem um aumento de 8 minutos."

Ou seja, a melatonina ajuda um pouco, mas sozinha não vai fazer muita diferença.

Sobre possíveis efeitos colaterais do uso da melatonina sintética, Mayer diz que não há evidência científica robusta. No entanto, ele revela que relatos de dor de cabeça, náusea, ansiedade e pesadelos são comuns.

Outro aspecto importante, ressalta, é que a quantidade de melatonina sintética que a pessoa toma é muito maior do que a que o nosso corpo produz.

Além disso, nem sempre a posologia descrita na embalagem desses suplementos está correta.

"Um estudo publicado em 2017/2018 mostrou que há uma grande variabilidade na dose que tem nesses frascos vendidos em farmácias. Essa pesquisa fez uma avaliação do conteúdo e quantidade de melatonina de 31 fabricantes e encontrou uma variabilidade que ia de -83% do que o fabricante anunciava no frasco até +478%. E era uma variabilidade entre os fabricantes e entre os lotes de um mesmo fabricante. Em alguns casos, os pesquisadores encontraram até outras substâncias além da melatonina, como a serotonina."

Álcool para relaxar
A bebida alcóolica interfere no sistema nervoso e provoca sensação de relaxamento, por isso algumas pessoas têm o costume de tomar uma dose antes de dormir.

"No nosso cérebro, o álcool estimula o gaba, um neurotransmissor inibitório. Isso deixa os nossos movimentos e a nossa fala mais lentos, por exemplo. A pessoa pode adormecer mais facilmente", afirma.

No entanto, destaca Mayer, isso não quer dizer que a pessoa vai dormir bem. Pelo contrário.

"Muitos estudos mostram que o álcool afeta a estrutura do sono, o que resumidamente significa que ele piora a qualidade do sono", relata.

"O indivíduo vai acordar mais vezes durante a noite. Ele talvez nem se lembre disso, pois estava sob efeito do álcool. Ele acha que dormiu bem porque ficou inconsciente rápido, mas isso não é o que a gente quer no sono. O nosso sono é formado por várias fases e a gente precisa passar por todas elas por um período de tempo específico. Se você faz alguma coisa que atrabalha essa estrutura, você prejudica o sono de um modo geral."

Temperatura do quarto
Dormir em um ambiente mais fresquinho, variando de 16°C a 20°C, é o ideal para dormir.

"A temperatura do nosso corpo varia ao longo do dia em torno de mais ou menos 1°C, indo de 36,1ºC a 37,2ºC. É maior durante o dia e mais baixa de madrugada. Isso quer dizer que é mais fácil a gente induzir e manter o sono em temperaturas menores", explica.

Por isso, Mayer indica escolher bem a roupa de cama e prestar atenção se o uso de pijamas mais quentes e de meias não está atrapalhando o sono.

Companhia na cama
Dividir a cama pode ser um problema. Afinal, uma pessoa ou mesmo um animal se mexem durante a noite e esquentam lençóis e travesseiros.

"Isso vai depender se a pessoa ronca, se é muito agitada, e até do tamanho da cama", comenta Mayer.

Como a qualidade do sono afeta o nosso humor e as nossas relações sociais, o neurocientista diz que se um casal está dormindo mal junto, é melhor considerar dormir em camas ou até em quartos separados.

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