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Saúde e território: a Atenção Primária à Saúde no Pará

Melhoria na oferta de saúde demanda integração e diálogo com diferentes atores locais

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Isabela Ramos

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi projetado com uma arquitetura descentralizada, hierarquizada e integrada regionalmente através das redes de atenção à saúde. Dentro desse grande sistema, a Atenção Primária à Saúde (APS) é a principal porta de entrada do SUS e inclui serviços que vão desde a promoção da saúde e a prevenção de doenças, até o controle de doenças crônicas e cuidados paliativos. Está presente em todo o território nacional, e no estado do Pará, existe e resiste em uma realidade complexa e diversa, marcada por específicas demandas de saúde, territorialidades e perfil populacional amazônico.

O estado do Pará é o segundo maior estado brasileiro em extensão territorial com 1.247,6 mil km², sendo o mais populoso da região norte com 8.442.962 habitantes, segundo dados recentes do IBGE. A bacia hidrográfica do Pará chega a 1,2 milhão de km², cuja rede de rios integra as duas maiores bacias hidrográficas brasileiras: Amazônica e do Tocantins-Araguaia. O estado apresenta extensa pluralidade étnica e populacional, na qual coexistem diversos povos e comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, entre outros.

Considerando essa dinâmica territorial ampla, plural e complexa, como a APS se articula? Antes de tudo, é importante reconhecer que acesso à saúde não está interligado somente a uma questão de acesso geográfico, mas também a determinantes históricos, sociais, econômicos e ambientais. Regiões localizadas na Amazônia Legal, como é o caso do Pará e outros 8 estados, concentram áreas historicamente caracterizadas como vazios assistenciais, nos quais as barreiras de acesso a profissionais e a serviços de saúde são significativas e geralmente estão agravadas pelas condições básicas precárias, como falta de saneamento, abastecimento de água, energia, entre outros.

Entre 2010 e 2021, o estado do Pará foi um dos estados da Amazônia Legal que apresentou percentuais preocupantes na cobertura da Estratégia de Saúde da Família. De acordo com dados coletados no IEPS Data, apesar do crescimento progressivo da cobertura, que foi de 42,9 para 60 no período, o percentual ainda é baixo. Em 2021, o estado foi um dos que apresentou menor cobertura, ficando na frente apenas do Amapá.

Estado Cobertura da Estratégia de Saúde da Família em 2021
Tocantins 93,5%
Maranhão 88,2%
Acre 76,1%
Mato Grosso 74,1%
Rondônia 69,3%
Amazonas 66,1%
Roraima 62,8%
Pará 60%
Amapá 57,8%

Percentual da cobertura da ESF nos estados do Norte do Brasil em 2021. Fonte: IEPS Data com dados do e-Gestor AB

Um estudo recente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) apontou também que o estado é o quinto do País com maior demanda por equipes de Saúde da Família. O Estudo Institucional n. 8 do IEPS aponta ainda que seriam necessárias 1.543 equipes adicionais de ESF para o estado alcançar 100% de cobertura da ESF.

Gráfico em linha do tempo apresenta o percentual da cobertura da Estratégia Saúde da Família no Pará entre 2010 e 2021
Percentual de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) no Pará entre 2010 e 2021. - Fonte: IEPS Data com dados do e-Gestor AB.

O desenho da regionalização da saúde no estado do Pará, que está dividido em 13 regiões de saúde, segundo a Secretaria Estadual do Estado do Pará (SESPA), possibilitou a descentralização de serviços e a redução das barreiras geográficas. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) resultou em avanços significativos com a criação de equipes e equipamentos de saúde específicos para a atenção em localidades rurais, ribeirinhas ou remotas, como as equipes de Saúde Ribeirinha e Saúde Fluvial para as áreas da Amazônia Legal e Pantanal. Porém, mesmo com os avanços das estratégias de organização funcional do SUS para corrigir as desigualdades e a fragmentação dos serviços de saúde, ainda há um longo caminho a percorrer para a garantia de equidade no acesso à saúde no Pará.

Agentes de saúde fazem atendimentos em domicílio à comunidade ribeirinha em Curralinho, no Pará. O atendimento faz parte das UBS Fluviais, uma modalidade de oferta de cuidados em Atenção Primária à Saúde às populações ribeirinhas da região da Amazônia Legal e do Pantanal. - Foto: Karime Xavier / Folhapress

A forma como a APS deve se organizar e atuar diante das singularidades existentes nos territórios, sobretudo das áreas rurais ou remotas, ainda são evidenciados como grandes desafios para uma saúde universal. Na Amazônia, em que pese sua heterogeneidade, ainda prevalecem lacunas nas políticas e estudos na área da saúde dedicadas ao acesso em regiões remotas.

O enfrentamento do problema demanda a articulação e promoção de diferentes setores nacional, municipal e estadual. Para a construção de políticas e estratégias eficientes e resolutivas na melhoria da saúde na Amazônia Legal, faz-se necessário a integração de diferentes olhares e atores envolvidos no SUS, quais sejam os profissionais de saúde, a população, os gestores, sociedade civil, as instituições de ensino e pesquisa e as entidades de classe. Apenas dessa maneira será possível construir intervenções com capacidade de adesão e sustentabilidade, não se limitando a um ações com verticalidade na gestão e com restrita inserção política dos estados e municípios.

É necessário elaborar rotas de saída com a perspectiva de que as mesmas possam induzir políticas públicas que atendam os preceitos constitucionais do SUS. Para alcançar uma saúde para todas e todos é necessário desenvolver trabalho contínuo de diagnóstico da realidade do país, ou mais precisamente das realidades diversas do país, e de elaboração e execução de programas e políticas que dialoguem com as particularidades locais.

Isabela Ramos é psicóloga, paraense, consultora do Instituto de Estudos para políticas de saúde (IEPS) e conselheira de Médicos sem Fronteiras (MSF) Brasil.

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