Homenagear veículos que marcaram a vida das pessoas é uma prática comum em qualquer lugar do mundo e por aqui não é diferente. Sejam réplicas do DeLorean eternizado na trilogia "De Volta para o Futuro" ou mesmo do Ecto-1 do filme "Caça-Fantasmas" outro clássico marcante dos anos 1980.
Não quer só exemplos estrangeiros? Então vamos a exemplos locais que homenageiam marcas e empresas nacionais, como o saudoso Fusca laranja da extinta Telesp, as diversas baratinhas (outro apelido para Fuscas) da Polícia Militar e Civil e, claro, os ônibus da extinta – e saudosa – CMTC. Vamos falar sobre esse último?
A Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) foi uma empresa estatal de ônibus que existiu em São Paulo entre 1946 e 1995. Portanto se você tem menos de 30 anos e está lendo esta coluna talvez nunca tenha ouvido falar sobre ela. A empresa não era um primor de qualidade em prestação de serviços, contudo tinha uma legião de fãs que iam de funcionários a passageiros, que amavam os ônibus de cor azul e bege ou azul e branco e – por um período vermelhos – esta última uma vontade particular do então prefeito Jânio Quadros (1986-1988).
Ao ser extinta em 1995 a CMTC não morreu de fato. Sabe-se lá por qual motivo a prefeitura paulistana optou por alterar a razão social para São Paulo Transporte S/A, mantendo o CNPJ já existente.
Pessoas que eram crianças ou adolescentes na época de ouro da CMTC amam a empresa e fazem de tudo para manter ativa sua história através dos mais variados meios, como ônibus dobráveis em papel cartão, miniaturas realistas em PVC e, para quem pode, réplicas reais dos veículos como esse do colecionador Carlos Alberto dos Santos, de Mogi das Cruzes, grande São Paulo que abre esta coluna.
Com muitas boas lembranças do período que era garoto e morava em São Paulo e se utilizava dos ônibus da CMTC para se locomover pela cidade, Carlos desenvolveu um grande amor pela empresa o que o levou a adquirir em Brasília (DF) um velho ônibus Mercedes-Benz O-364 idêntico aos que rodaram na capital paulista.
Carlos trouxe o veículo rodando para São Paulo e imediatamente levou-o para restauro, não economizando para deixá-lo idêntico ao modelo da CMTC. O resultado foi uma preciosidade que nos deixa viajar deliciosamente no tempo e na nostalgia.
Mas esta história bonita e que deveria ser incentivada e valorizada passou se transformou em um drama ruim, quando no último dia 12 de julho de 2023 o proprietário recebeu uma notificação extrajudicial da SPTrans exigindo que ele imediatamente retire a identidade visual da CMTC.
A alegação? Ele estaria praticando crime ao violar a marca da CMTC e, principalmente, confundindo passageiros ao transitar pelas ruas da cidade. Mas o motivo real seria uma represália pela visibilidade que o ônibus de Carlos vem recebendo.
REPRESÁLIA INFELIZ
Os problemas para o dono do ônibus começaram depois que seu veículo participou de uma edição do programa SP1, da Rede Globo, em homenagem aos 40 anos de existência do jornalístico. A grande sacada da edição de 8 de julho de 2023 foi convidar Carlos e seu ônibus a fazer um tour pela cidade junto ao apresentador Alan Severiano, o conjunto Demônios da Garoa e outros convidados, passando por locais icônicos da região central da cidade.
Foi o estopim para alguém com coração de gelo dentro da SPTrans achar que isso é uma grave violação da marca CMTC e que pode confundir os usuários do transporte coletivo em São Paulo. Alguém ai fica esperando ônibus da CMTC na sua rua? Acredito que não.
De acordo com o que apurei nos bastidores da empresa, a assessoria de marketing deles ficou irritada pela Rede Globo procurar um particular e não a eles, e optaram por punir o mais fraco. No entanto a SPTrans não possui este modelo de ônibus pronto e à disposição para rodar, além do museu da empresa onde ficam os veículos que eram da CMTC permanecer fechado.
AÇÃO DA SPTRANS É LEGÍTIMA, MAS DESNECESSÁRIA
De acordo com Silvio Darré Júnior advogado da empresa Darré & Bueno Marcas e Patentes "a decisão da SPTrans apesar do absurdo da posição, se a marca CMTC estiver de fato registrada, pode sim exercer o seu direito ao uso exclusivo, apesar da utilização não ter finalidade lucrativa". Darré fez a pesquisa a pedido deste colunista e conferiu que a empresa vem renovando a marca CMTC, concedida em 1983, sucessivamente em 1993, 2003 e 2013. Ele frisa também que é possível uma boa briga no tribunal sendo possível, inclusive, tentar declarar caduca a marca CMTC por falta de uso nos últimos 5 anos.
SPTRANS EXPLICA SEU LADO
Em retorno ao meu questionamento a SPTrans informa que: "a marca Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC é de sua propriedade e vinculada ao sistema de transporte público do município, com registro formal junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que confere à empresa o uso exclusivo da marca e, por isso, sua utilização por terceiros somente pode ser feita caso tenha sido por ela autorizada previamente. Assim sendo, a utilização da marca CMTC por terceiros é vedada face ao disposto na Lei de Propriedade Industrial, por se tratar de marca de empresa anteriormente constituída e marmoreada no mercado, cuja propriedade é da SPTrans, competindo a ela a autorização de uso, repita-se."
FALTA SENSIBILIDADE
Em um país onde a memória é tratada como um fardo, a decisão arrogante da SPTrans por mais que esteja embasada em critérios legais, é de uma insensibilidade enorme e mostra o tamanho do despreparo do marketing da empresa.
O mais elegante seria convidar o proprietário a uma visita (com o ônibus) nas dependências da SPTrans e fazer uma homenagem. Por outro lado seria de bom tom pedir a ele que colocasse um aviso em alguma parte da lateria externa do ônibus que trata-se de um veículo fantasia e, portanto, não oficial. Mas se é possível complicar e intimidar para que ser gentil? Tempos obscuros esses que vivemos.
Veja na galeria outros veículos que fazem homenagens a empresas, cidades ou serviços públicos:
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