Ramón de Monte Domecq foi um paraguaio cuja trajetória empresarial fez dele autor daquele que considero ser o mais importante livro fotográfico da Cidade de São Paulo já produzido. E ele nem fotógrafo é, sendo que possivelmente jamais fez nenhum clique da cidade. Vou explicar essa história maluca.
Empresário do ramo de livros Monte Domecq, como é mais conhecido, iniciou-se no mercado editorial em 1910 produzindo o título "La Nación Guarani" importante, e talvez único, registro da pequena mas valente indústria paraguaia na primeira década do século 20.
A iniciativa rendeu ótimos dividendos e o empresário resolveu atravessar a fronteira para produzir livros similares no Brasil. Porém o gigantismo da indústria e comércio brasileiros o levam a ideia de lançar vários livros, ao invés de apenas um. É assim que em 1916 é lançado sua primeira empreitada em território nacional, com o livro "O Estado do Rio Grande do Sul" e posteriormente, no início do ano seguinte, o livro "O Rio Grande do Sul colonial" este segundo mais focado no interior gaúcho.
Neste mesmo ano de 1917 Monte Domecq e seu sócio, o igualmente paraguaio Romero Pereira, decidem rumar para São Paulo com o objetivo de lançar um livro semelhante.
E assim a Société de Publicité Sud-Americaine, nome da editora deles, chegou a São Paulo com a dupla de proprietários e mais um fotógrafo acompanhando para registrar o trabalho, o catalão J.Thomas. Contudo o trio não teve vida fácil em território paulista até que seu livro foi lançado.
Um jornal paulista da época, chamado "O Combate" iniciou uma forte perseguição à dupla de empresários e ao fotógrafo que os acompanhava, chamando-os de espiões – estávamos em plena Primeira Guerra Mundial – e de golpistas, pois o jornal garantia que eles recolheriam o dinheiro dos interessados pelo livro e depois desapareceriam.
As acusações se davam pelo método escolhido por Monte Domecq para produzir o conteúdo do livro. Os livros de sua editora eram planejados como se fosse um catálogo, então quem quisesse sair no livro – sejam empresários, banqueiros ou comerciantes – tinham que pagar um valor consideravelmente alto, que garantia a produção das imagens, do texto e, posteriormente, de alguns exemplares do livro para si. À exceção dos membros do poder público paulista e paulistano, descritos no início do livro, todos os demais pagaram para serem publicados.
A perseguição implacável do jornal causou alguns danos mas não foi o suficiente para destruir a reputação de Monte Domecq e seu sócio que, enfim, conseguiram produzir todo o conteúdo do livro durante o ano de 1917 para que o livro fosse publicado no ano seguinte.
O resultado foi um livro grandioso e bem maior do que os anteriores do Paraguai e Rio Grande do Sul, em um maravilhoso trabalho com fotografias detalhadas de praticamente todas as grandes indústrias paulistas, já que a maioria delas topou sair no livro. Pesando quase 9 quilos e com quase 800 páginas em ótimo papel couchê o livro é uma espécie de "bíblia" dos negócios paulistas das duas primeiras décadas do século 20.
Estão nele empresas como o Cotonifício Crespi, Lacta, Indústrias Pereira Inácio (embrião do grupo Votorantim), Baruel, Fábrica de Tecidos da Juta, Banco da Cidade de Nova York (Citibank), Mappin, Casa Alemã, vários jornais paulistanos e centenas de outras empresas dos mais variados ramos e tamanhos. Até uma ou outra pequena, como algumas farmácias e armazéns estão no livro.
A publicação não se limitava as fotos das empresas, mas também de seus proprietários, diretores, chefes de departamento e, em alguns casos, até familiares. Isso fez do livro um raro, exclusivo e indispensável banco de dados iconográfico de São Paulo.
Após o sucesso de "O Estado de São Paulo" editora de Monte Domecq prometeu um segundo volume do livro sobre São Paulo nos anos seguintes, bem como um outro livro focado nos demais estados brasileiros, entretanto apenas este último saiu, em 1922, ano do Centenário da Independência do Brasil, focado em indústrias do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e, novamente, São Paulo.
Exemplares deste livro, bem como os demais do Paraguai e Rio Grande do Sul, são raríssimos de ser ver à venda e quando surgem em sebos ou em leilões de livreiros, atingem valores bem salgados. Infelizmente inexiste informações sobre a tiragem de exemplares.
No vídeo abaixo mostro para vocês como é este magnífico livro em detalhes. Não deixe de assistir e inscrever-se no canal.
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