O voo da cápsula tripulada Starliner, da empresa americana Boeing, que quase foi lançada no último dia 5 de maio, acabou ficando para o dia 1º de junho, às 13h25 (de Brasília), após uma série de atrasos e problemas que jogam sombra sobre o esforço da companhia de se tornar a segunda no mundo a levar astronautas à órbita terrestre, depois da SpaceX.
O adiamento original, feito apenas um par de horas antes da decolagem, se deu por um problema com uma válvula do estágio superior do foguete Atlas V, que é fornecido por outra companhia, a United Launch Alliance (uma joint-venture da Boeing com a Lockheed Martin). Esse lançador em particular tem uma longa herança tecnológica que remonta à década de 1960, de modo que a anomalia não preocupou –mera questão de trazer o foguete de volta ao prédio de integração e trocar a válvula.
Ocorre que esse processo levou a Boeing a descobrir, por acidente, que havia um vazamento de hélio (gás inerte) em um dos propulsores do módulo de serviço de sua cápsula. Esse sim é um sistema novo, de um veículo pouco testado que ainda não realizou nenhum voo tripulado e teve dois lançamentos sem tripulação marcados por muitos problemas, em 2019 e 2022.
A descoberta levou a um adiamento mais longo da missão e a um esforço dos engenheiros da companhia, ao lado de equipes da Nasa (agência espacial americana e contratante do voo), para caracterizar o vazamento e investigar seu impacto.
Em uma coletiva realizada na última sexta (24), após um longo e embaraçoso silêncio, representantes do governo e da empresa detalharam o problema. Ele parece vir de um defeito em um anel de vedação em apenas uma das linhas de hélio (que é usado para pressurizar os tanques de propelente).
Aparentemente o vazamento é pequeno e manejável. E o curioso: se não tivesse havido o problema com o estágio superior do Atlas 5, a Starliner teria voado nessas condições, e o defeito só teria sido identificado após a acoplagem com a ISS (Estação Espacial Internacional).
Na coletiva, o gerente do programa de tripulação comercial da Nasa, Steve Stich, indicou que a análise levou à descoberta de uma "vulnerabilidade de design" no sistema de propulsão que, em circunstâncias muito incomuns, impediria a execução da manobra de saída de órbita e reentrada na atmosfera, inclusive por estratégias de contingência previamente estabelecidas. Um estudo de cerca de 17 mil possíveis modos de falha revelou que em 99,2% delas essa redundância, e um retorno seguro, estaria assegurada. Restavam pouco menos de 0,8% de que não, para os quais um novo plano para a manobra de reentrada foi formulado. Com essa contingência coberta, Nasa e Boeing decidiram realizar o voo da Starliner, no estado em que está, no dia 1º, com datas de reserva no 2, no 5 e no 6 de junho.
Encontrar problemas no espaço durante uma missão de teste, como essa, é bastante comum, e é melhor ainda quando essas dificuldades são identificadas em solo. Mas claro que o episódio dá margem a que se perguntem como uma "vulnerabilidade de design" não foi percebida antes que astronautas estivessem prestes a voar nele, num projeto que está há uma década em desenvolvimento.
Na próxima quarta (29), os engenheiros farão mais uma revisão de prontidão para o voo e, com o sinal verde, o foguete deve ser encaminhado à plataforma 41 da Estação da Força Espacial em Cabo Canaveral, na Flórida. Os astronautas Barry Eugene Wilmore e Sunita Williams seguem em quarentena no Centro Espacial Johnson, em Houston, aguardando o dia em que poderão partir rumo à Estação Espacial Internacional.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
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