Uma reanálise dos dados colhidos pela sonda Cassini ao sobrevoar as plumas de água de Encélado indicam que essa pequena lua de Saturno tem potencial ainda maior para o surgimento e a manutenção da vida do que antes se imaginava.
É bem verdade que Encélado tem causado sensação entre os astrobiólogos desde 2005, quando foi descoberto que fissuras em sua superfície congelada dão caminho a gêiseres de água que são ejetados para o espaço. Essas plumas vêm diretamente de um oceano que se esconde sob a crosta de gelo.
Em 2017, ano final da missão da Cassini, análises de passagens da sonda pela pluma indicaram que, além de água, ela continha substâncias como metano, amônia e hidrogênio molecular. Tudo isso junto indicava que o leito oceânico de Encélado tem fontes hidrotermais –ambiente onde se suspeita que a vida possa ter surgido na Terra–, e podia até mesmo ser evidência direta de vida, já que organismos metanógenos terrestres são conhecidos por consumir hidrogênio e emitir metano.
Em 2021, uma análise matemática do conteúdo das plumas feita por cientistas franceses indicou que o metano por lá não pode ser explicado apenas por métodos abióticos conhecidos de produção, o que sugere que ou Encélado tem vida metanogênica, ou há uma outra fonte, atualmente desconhecida, a emitir o metano presente nas plumas.
Como se isso já não fosse suficientemente empolgante, agora um trio de pesquisadores do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, reprocessou os dados colhidos pela Cassini ao cruzar as plumas e encontrou evidências de cianeto de hidrogênio e oxigênio molecular.
O primeiro desses compostos é considerado uma das principais ferramentas no kit de compostos simples usados pela natureza para fazer emergir química mais complexa, precursora da vida. Segundo Jonah Peter, primeiro autor do estudo publicado no periódico britânico Nature Astronomy, o cianeto de hidrogênio é o "canivete suíço dos precursores dos aminoácidos", que por sua vez são a base para as proteínas, moléculas centrais para a vida como a conhecemos.
O segundo, por sua vez, é uma fonte de energia química muito mais poderosa do que o modesto hidrogênio molecular que alimenta os metanógenos. "Se a metanogênese é como uma pequena bateria de relógio, em termos de energia, nossos resultados sugerem que o oceano de Encélado pode oferecer algo mais parecido com uma bateria de carro, capaz de fornecer grande quantidade de energia para qualquer forma de vida que esteja presente", diz Peter.
As perspectivas de que essa pequena lua com modestos 504 km de diâmetro possa abrigar vida ou mesmo esteja neste momento gestando seu surgimento são entusiasmantes. Mas, claro, a grande pergunta segue sendo: há mesmo algo vivo por lá? Não sabemos, e é bem possível que as resposta só possa ser obtida quando uma nova sonda for enviada a Saturno para analisar a composição das plumas com mais precisão que a Cassini –o que infelizmente ainda não tem data para acontecer.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
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