O esperado replay de uma supernova forneceu um método independente para medir a taxa de expansão do Universo. O resultado, publicado na revista Science, é especialmente importante num momento em que a cosmologia vive uma crise, com estratégias diferentes fornecendo resultados incompatíveis entre si para a chamada constante de Hubble.
Assim chamada em referência ao astrônomo Edwin Hubble (1889-1953), que em 1929 demonstrou que o cosmos estava em expansão e fez uma primeira estimativa desse parâmetro, ela é basicamente o número que descreve o ritmo de crescimento do Universo.
A estimativa feita a partir da radiação cósmica de fundo –a luz mais antiga em circulação, uma espécie de eco do Big Bang–, medida com precisão pelo satélite europeu Planck, sugere algo como 67 km/s/Mpc. Traduzindo a unidade: cada megaparsec de espaço (o equivalente a 3,26 milhões de anos-luz) cresce 67 km a cada segundo que passa. O resultado é baseado no modelo padrão da cosmologia, que inclui ingredientes como a energia escura e a matéria escura e é hoje nossa melhor explicação para o princípio e a evolução do Universo.
Porém, outro método consagrado para a medição da taxa de expansão envolve o uso de supernovas de um determinado tipo (Ia) como velas padrão. Espera-se que todas tenham o mesmo brilho intrínseco, o que permite traduzi-lo imediatamente na distância. Ao mesmo tempo, a distorção de sua luz em razão do afastamento (o chamado "desvio para o vermelho") entrega a velocidade de recessão. Juntos, eles permitem estimar a constante de Hubble. Em tempos recentes, a estimativa vem se consolidando como algo em torno de 74 km/s/Mpc.
Não é uma diferença brutal. Ela mudaria a estimativa de idade do Universo em coisa de uns 20 milhões de anos –bem pouco, comparado aos 13,8 bilhões de anos passados desde o Big Bang. Porém, o nível de precisão das duas medidas impede que ambas estejam certas. Se a derivada da radiação cósmica de fundo for a certa, há algo errado na nossa compreensão das supernovas; se a derivada das supernovas estiver correta, há algo errado em nosso modelo da evolução do Universo. Daí a necessidade de outros métodos independentes para chegar à constante de Hubble, a fim de desfazer o impasse.
Uma oportunidade excelente veio com a supernova Refsdal, que foi vista explodindo no céu em 2014 –em quatro imagens simultâneas. Isso porque a colossal explosão se deu ao fundo de um grande aglomerado de galáxias, que produziu uma lente gravitacional (fenômeno em que corpos com grande gravidade curvam raios de luz) capaz de multiplicar sua imagem.
Os pesquisadores liderados por Patrick Kelly, da Universidade de Minnesota (EUA), modelaram a lente do aglomerado e predisseram que haveria um novo replay da supernova, em 2015 –o que de fato aconteceu.
Agora, juntando tudo, e estimando os caminhos percorridos pela luz em cada uma das imagens da supernova, com os dois modelos mais consistentes do aglomerado e de sua correspondente lente gravitacional, eles extraíram uma nova estimativa da constante de Hubble: 66,6 km/s/Mpc –bem mais perto da medida da radiação cósmica de fundo, reforçando, portanto, o modelo padrão da cosmologia.
É um alento, mas ainda não é o fim da crise, por conta da margem de erro. Será preciso mais observações como essa, de outras supernovas submetidas a lentes gravitacionais, para fazer a balança pender definitivamente para um dos lados.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
Siga o Mensageiro Sideral no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.