Paris é a cidade mais visitada do mundo, com 15,5 milhões de turistas em 2023, e os números devem crescer ainda mais com as Olimpíadas 2024. Talvez o que esses visitantes todos não tenham se dado conta é que essa é a cidade com cultura negra mais pulsante do velho continente.
Quando estive na capital da França, nos idos de 2013, me surpreendi com a quantidade de pessoas negras circulando pelo metrô, por exemplo. Entendi que a França tem uma dívida histórica com os países do continente africano que colonizou, mas que também intersecciona essa negritude de pessoas que migraram para o país.
É importante ressaltar que há tours de afroturismo por lá, em trabalhos semelhantes ao do Guia Negro, a plataforma que fundei por aqui e realiza roteiros em 30 cidades brasileiras. Entre as empresas que realizam experiências turísticas afrocentradas está a Le Paris Noir, do guia e podcaster Kevi Donat.
Um dos passeios percorre a margem direita do Rio Sena e começa no Moulin Rouge, no bairro Pigalle. No famoso e turístico bairro de Montmartre o roteiro faz ligações entre as artes africanas e a vanguarda europeia. Uma forma diferente de conhecer o Sacré-Coeur e experienciar o Château Rouge, onde "entre mercados africanos, gentrificação e fora dos circuitos habituais, se prepara a Paris de amanhã", como bem descreve o anúncio do tour. "Eu passava horas sentada em qualquer café de esquina e via a riqueza de beleza e a elegância de se vestir", conta a influenciadora Preta Rara, sobre sua experiência no bairro.
Já o Chateau d’Eau (10ème arrondissement) tem cabeleireiros, lojas de produtos de beleza e é possível fazer penteados afros. Passear pelas ruas do bairro é uma das dicas da cantora Karol Conká que ama a cidade. "Eles têm orgulho de ser quem são", reforça ela.
O salão de cabeleireiro Before you go, da hair stylist Alimatou K, fica na 8ème arrondissement (bairro dos Champs Elysées, considerado o mais chique da cidade). Por lá, também é realizado um salão de chá, onde os clientes podem beber e comer, enquanto fofocam.
HISTÓRIA E MODA
O passeio pela margem esquerda do Rio Sena, feito pela Le Paris Noir, começa na Place du Panthéon, um dos raros monumentos que abordam a história colonial francesa. Depois, entre os Jardins do Luxemburgo e o Senado, revela-se a memória da escravização e o lugar do Império na vida política antes da descolonização, terminando no Quartier Latin, considerado berço da negritude.
A Little Africa Travel, da jornalista e guia Jacqueline Ngo Mpii, por sua vez, realiza walking tours e publica guias mostrando mais da história e cultura negra da cidade, além de contar com uma loja. Um dos roteiros visita o bairro de Goutte d'Or, onde é possível conhecer mais sobre moda, design e especiarias africanas por meio de artesãos, alfaiates e designers que trabalham por ali. Um dos locais do bairro é o Au Marché de la Côte d’Ivoire, mercearia que vende produtos alimentares, como o baobá, fruto da árvore africana, e cosméticos naturais.
Entre as dicas está o Le Marche Ubuntu, um mercado engajado afro-caribenho que é curador de eventos solidários. Já o Le Marché Afro-Caribiéen reúne artesãos criativos e tem sua próxima edição marcada para 7 e 8 de dezembro.
Outro bairro com grande presença negra é o Porte de la Villette (arrondissement 19), onde pode se encontrar shows e festivais, como o de jazz, e uma cultura negra muito viva. La Apppart de Villete recebe eventos culturais e criativos, conforme dicas de My Afro World, Sarah Djengou, que é parisiense e viveu no Brasil durante alguns meses e hoje tem sido anfitriã de brasileiros pela cidade luz.
COMIDA
Num país famoso pela sua culinária, os franceses têm entre seus pratos preferidos o cuscuz marroquino e amam colocar canela em seus temperos, algo que não cresce no país e, provavelmente, veio do continente africano, como aponta Marie Reine Adelaide, franco-congolesa que mora em São Paulo e escreve sobre o Brasil negro.
Em Paris, é possível experimentar delícias do mercado africano e o afro-caribenho (a França ainda tem colônias na América Latina como Guiana Francesa, Guadalupe e Martinica). Um dos lugares de comida no Châetau Rouge é o Mamakossa Paris, que serve comida de rua afro diaspórica, como o famoso frango jerk jamaicano, hamburgueres, creme de inhame com camarões, além de drinks e encontros todas as quintas-feiras. O proprietário é Didier Piquionne, também responsável pela Sunday Groove Paris, festa que terá sua próxima edição em 4 de agosto com hip hop, Rnb e vibrações caribenhas.
Em outra região da cidade, em Montparnasse, o Mosuke Restaurant, do chef Mori Sacko, tem estrela do Guia Michelin e influências das culinárias japonesa e africana. Entre as comidas servidas estão: ébano foie gras grelhado com molho mbongo tchobi, considerado emblemático na gastronomia camaronesa. Outro prato é a sola de folha de bananeira/attiéké/togarashi shishimi, que é inspirado no peixe da Costa do Marfim.
O Nabou Pastel tem três restaurantes especializados em pastéis senegaleses. No Osè African Cuisine é possível encontrar street food em dois locais em Paris para comer pratos africanos de forma rápida e barata. Já o Bamako (BMK) é uma cantina com especiarias africanas e o Afrik'N'Fusion promete o melhor da culinária africana.
Próximo de uma das margens do Rio Sena, Ô Petit Club Africain serve especialidades africanas, como peixe e "o prato do momento". Já o Diasporas é um espaço cultural panafricanista que pretende nutrir corpos e mentes. No Villa Masai, perto do Museu do Louvre, há pratos tradicionais africanos, além de música. É perfeito para grupos e comemorações. Na linha chique há o L’Afrodisiac Restaurant, um dos pequenos restaurantes afro na parte oeste da cidade (a mais rica).
FESTAS E ARTE
Paris é considerada o segundo maior palco do Ballroom do mundo, fora dos Estados Unidos e a primeira da Europa. A House of Revlon, baseada em Paris, é muito ativa e presente midiaticamente, dando visibilidade para a comunidade afro LGBTQIA+ afrofrancesa. Na página Balls in Paris há a agenda da cena do vogue na cidade.
Entre as festas, destaque para a Spiritual Gangsta que informa ser "tudo que você precisa para a sua alma". O Afroboat Party, realizado pela Make it Clap Agency, ocorre todos os domingos de verão. Enquanto a Afrikashine.eu é uma balada que ocorre aos fins de semana e o Afrotherapy Paris realiza eventos como o afro pool party, que atraem os mais jovens.
No Yardland Festival o line up foi só de pessoas negras. O Afropunk, que tem origens em Nova York, chegou a realizar edições em Paris, mas desde a pandemia deixou de organizar o festival por lá.
Na Galeria Wawai é possível encontrar arte de rua, pop art e fotos de artistas pretos. Um dos eventos realizados é o Drink and Paint, em que os visitantes podem beber e pintar. Na Livraria Presence Africaine é possível achar livros de autores africanos e da diáspora. Enquanto La Fondation Dapper, especializado em arte africana, caribenha e das diásporas tem uma coleção com uma variedade de expressões artísticas.
Entre os locais com grande presença negra está também a Estação Gare du Nord, considerada a maior da Europa em frequentação, com trens para Londres, Bruxelas e Amsterdam.
Outro destaque são os canais Nwe e Nofi Media, mídias independentes e pretas que noticiam sobre a comunidade negra local e mundial. E também não dá para esquecer que uma das artistas de maior sucesso na França hoje é uma mulher negra: Aya Nakamura.
Essas são experiências muitos distintas daquelas que estamos acostumados a ver influenciadores e viajantes tradicionais dividindo. Na minha viagem à cidade luz tive a oportunidade de ficar uns dias hospedados em Saint Denis, no subúrbio de Paris, e conviver e vivenciar muito da culinária e vida de pessoas de diferentes lugares do continente africano e também do Oriente Médio. A Paris Negra é, com certeza, a cidade que tenho vontade de voltar e que indico para todo mundo que a visita!
Colaboração: Marie Reine-Adelaide, Heitor Salatiel e Sarah Djengou.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.