A extensa manifestação da Coalização em Defesa da Democracia contra a indicação de Paulo Gonet para o cargo de procurador-geral da República --com o anunciado apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre Moraes-- menciona "os efeitos deletérios" e a atuação "omissa e deficitária" de Augusto Aras, ex-PGR.
Aras não responsabilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro pela condução da política sanitária federal na pandemia da Covid-19. Não interferiu na desastrada gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Pazuello é deputado federal (PL-RJ).
No dia 3 de setembro de 2020, Gonet, então diretor-geral da ESMPU (Escola Superior do Ministério Público da União), convidou Pazuello para o seminário virtual "O Ministério Público e o direito ao tratamento precoce: limites e possibilidades". Havia 16 mil inscritos.
Meses antes, em entrevista ao UOL, Gilmar Mendes assim se referiu à política de saúde do governo Bolsonaro: "A Constituição não permite que o presidente adote políticas genocidas. Políticas que afetem de maneira crucial, global, a vida da população. Me parece que é preciso pensar muito nesse contexto."
No seminário, Pazuello deixou patente as limitações sobre o tema. Exaltou sua atuação no Ministério Público Militar. "Sempre me aliei a ele, nos momentos mais complicados, com organizações complicadas, dentro e fora do Exército". Fez a exposição apoiado num vídeo sobre as atividades da pasta.
O general foi saudado por Gonet como "nosso caríssimo ministro", a quem "agradeceu imensamente pela sua abertura para o debate".
Gonet definiu o evento na ESMPU como uma tentativa de integrar esforços do Ministério Público com Poderes do Estado.
Deve ter esquecido que cinco subprocuradores-gerais pediram formalmente a Aras que recomendasse a Bolsonaro evitar manifestações contra a política do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus.
Aras arquivou o pedido. Poupou Bolsonaro e criticou os procuradores.
No documento, os subprocuradores trataram do pronunciamento de Bolsonaro, em cadeia nacional, quando criticou o fechamento de escolas e do comércio, "transmitindo à população brasileira sinais de desautorização das medidas sanitárias em curso, adotadas e estimuladas pelo próprio Poder Público Federal".
Eis um resumo das alegações do ex-PGR:
"Neste momento em que o país atravessa estado de calamidade pública, exige-se do Ministério Público brasileiro mantenha-se afastado de disputas partidárias internas e externas, sem entraves à atuação dos órgãos competentes no cumprimento de seus deveres, a fim de que todos vençamos o coronavírus."
Semanas depois da fala de Gilmar, a então presidente da AJD (Associação Juízes para a Democracia), juíza do Trabalho Valdete Souto Severo, escreveu artigo sob o título "Por que é possível falar em Política Genocida no Brasil de 2020?"
Eis trechos da publicação:
Recentemente, a fala do ministro Gilmar Mendes, referindo-se à suposta responsabilidade dos militares pela política genocida praticada atualmente no Brasil, causou polêmica. A questão foi o uso da palavra, que evoca experiências históricas traumáticas e pavorosas, como aquela vivida no holocausto.
(...)
E se ainda há dúvida sobre a possibilidade de qualificar a atual política como genocida, basta saber que o Ministério da Saúde, que não tem ministro e está sendo gerido por um militar, gastou menos de um terço dos R$ 39,3 bilhões liberados para o combate ao coronavírus por meio de medidas provisórias.
O general Eduardo Pazuello admitiu isso em uma audiência pública da comissão mista criada para acompanhar as ações do governo federal no enfrentamento à Covid-19, no final de junho. Segundo ele, foram gastos R$ 10,9 bilhões (27,2% do valor disponibilizado).
O texto de Valdete foi publicado no site "Democracia e Mundo do Trabalho em Debate".
Com a certeza da impunidade, Pazuello, depois de deixar o Ministério da Saúde, participou de ato político-eleitoral num palanque, ao lado de Bolsonaro. Ambos sem máscaras anti-Covid.
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