Nesta quinta-feira (20), às 17h50, estará ocorrendo o solstício de inverno em todo o hemisfério sul. Solstício é o momento do ano em que as horas de luz do dia são mais curtas e as noites, mais longas, marcando o início do inverno —em tese, a estação mais fria do ano. Tudo isso tem a ver, como provavelmente o leitor se lembra vagamente das aulas de geografia, com a inclinação da Terra em relação ao sol, e deveria ser o sinal verde para correr ao baú e resgatar as roupas mais quentes e as cobertas mais pesadas. Vá lá que nestes tempos de mudanças climáticas ensandecidas isso não anda significando muita coisa, mas sigamos.
Aproveitamos o solstício, por aqui, para tocar em um assunto que toda temporada de montanha anima as conversas nos grupos de trilheiros e afins: onde é melhor acampar para fugir das temperaturas mais baixas e assegurar uma noite de sono mais confortável, no alto ou nos baixos das montanhas? E a resposta é: depende.
Se você estiver em um grupo guiado por um profissional credenciado e experiente, provavelmente ele vai dar todas as dicas sobre os melhores equipamentos, e a previsão do tempo para a jornada contratada. Mas se for daqueles que gostam de seguir de forma independente pelos caminhos desse mundão, toda atenção é pouca e a meteorologia, ponderada pela topografia da região escolhida, será fundamental para evitar problemas —a hipotermia (que ocorre quando a temperatura do corpo humano cai abaixo dos 35°C) não sendo o menor deles.
Primeiramente, vale fazer uma diferenciação entre clima e temperatura. Segundo Carlos Moura, meteorologista por formação, guia e dono da agência Mantiex, especializada em viagens pela Serra da Mantiqueira, "quando falamos em clima, estamos falando de uma média dos últimos 30 anos para um determinado período". Já a previsão do tempo, alerta, só funciona mesmo para algo entre 4 dias e uma semana. Por falta de precisão nos muitos cálculos necessários para chegar perto de uma previsão minimamente coerente, ele conta que abandonou a meteorologia, "por desgosto, mesmo".
Daí vem a pergunta básica que permeia as conversas de todo elevador: por que, se a meteorologia é uma área das ciências exatas, as previsões falham tanto a ponto de desgostar os próprios meteorologistas? "A previsão do tempo é feita a partir de modelos e combinações de várias equações, alimentadas por estações meteorológicas", explica Moura. "A gente alimenta as equações com dados de pressão, umidade, temperatura e tudo o mais, mas a rede de estações não é suficiente e um pequeno erro em uma delas vai provocar um desvio x da previsão, que vai se tornando maior na próxima estação e daí por diante", acrescenta.
Isto posto e matemática à parte, voltemos à pergunta: onde faz mais frio numa região como a Mantiqueira, uma das principais mecas do montanhismo invernal do país? E a resposta, nas condições adequadas de temperatura e pressão é: nos vales.
"Se a noite é de céu limpo, sem vento, aos poucos, o ar frio, que é mais denso, vai escoar para o fundo dos vales", explica Gabriel Gorga Cardoso, geógrafo e administrador da página Mantiqueira Abaixo de Zero nas redes sociais. "Com esse movimento do ar frio, somado à perda de radiação, que é o calor acumulado durante o dia com a exposição ao sol, o ar quente sobe e temos o que se chama de inversão térmica", acrescenta. Se a noite for de ventos fortes, as temperaturas tendem a se embaralhar e o cidadão vai passar frio semelhante em qualquer ponto da região.
"É importante lembrar que esse fenômeno só acontece em locais com bastante altitude", alerta o geógrafo William Siqueira, que trabalha na implantação de estações meteorológicas. "Em geral, acima de 1.300 metros de altitude e até uns 2.600", completa. E ele, que percorre por dever do ofício os muitos caminhos da serra, lembra que essa situação vem sendo registrada "desde o finalzinho de maio".
"A gente tem uma estação no alto do Parque Nacional do Itatiaia que está dando em volta dos 14 graus à noite, com umidade de 10%", explica. "Só que dentro do vale, a uma distância de 500 metros na mesma hora, estamos medindo 8 ou 9 graus negativos", aponta, acrescentando que, por sua experiência, "vai vir mais frio ainda e ele, este ano, deve se estender mais ainda, talvez até outubro ou, quem sabe, até dezembro".
Nesta última quarta-feira (19), vale ainda registrar, a estação próxima à nascente do rio Campo Belo registrou o recorde de temperaturas baixas do Itatiaia, e menor do ano no país, com -11,8°C às 4h34, seguindo uma série que, na véspera, dia 18, havia marcado -11°C. Até então, a menor marca havia sido de 13 de junho, com -9,2°C.
Ou seja: se for sair para o mato, caro leitor, siga o tradicional conselho da mamãe e leve um bom casaquinho.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.