Eles costumam postar nas suas redes sociais perrengues variados de aventuras com riscos cuidadosamente calculados em trilhas, matas, cachoeiras e montanhas. Mas, neste momento, precisam arrebanhar todo o seu conhecimento da natureza para uma missão que prefeririam não ter de enfrentar: ajudar nos resgates dos atingidos pelas inundações que assolam o Rio Grande do Sul nos últimos dias.
São trilheiros como Edinilson Oliveira, do grupo Mochileiros Solteiros, que reúne dezenas de integrantes em todas as regiões do país e que, neste momento, juntou 20 voluntários na capital gaúcha. Oliveira, 41, mora em uma área que foi um pouco menos alagada que a maior parte de Porto Alegre, no bairro de Cachoeirinha, e desde o começo das inundações dedicou boa parte de seu tempo a montar marmitas para distribuir aos abrigos da região, mesmo com água cobrindo parte de suas pernas. O deslocamento pelas áreas mais atingidas conta com a experiência de quem já cruzou muita correnteza, escalou altas rochas e se preparou com noções básicas de primeiros socorros para as trilhas que percorre por lazer.
"A gente nunca pensa que vai ter de usar numa tragédia", conta ele, "mas na hora aplicamos todo o nosso conhecimento".
Se a turma das botas e bastões está ajudando, um papel fundamental merece ser destacado e é dos adeptos das trilhas off-road, os jipeiros, que tradicionalmente se mobilizam a cada desastre natural dos cada vez mais frequentes registrados em todo o país. A bordo de seus veículos 4x4 adaptados para atravessar rios, com altos pneus e snorkels —canos de escapamento que sobem acima do nível do teto dos carros— evitando os altos níveis das águas, eles somam cerca de 100 voluntários não só do Rio Grande do Sul como de Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso e outros estados que não param de chegar.
"Somos uma comunidade que se mobiliza muito rapidamente", explica André Vargas, 53. Ele, que com as dezenas de jipeiros que foram para a região, lançou mão da experiência do grupo em emergências anteriores como as enchentes de Itajaí e a queda da barragem em Brumadinho, conta que, mesmo com todo o preparo técnico e o conhecimento, vários carros ficaram danificados. "A gente tem que saber parar no ponto certo, quando o jipe não serve mais o jeito é apelar para os caminhões altos, iguais aos do Exército, só que montados por civis, que também estão vindo para cá", acrescenta.
Quem está desde o primeiro momento na linha de frente dos resgates é Everson Suarez Lopes, 43, publicitário que participa de um grupo especializado em resgates de veículos atolados em terrenos difíceis, mas que desde as enchentes de setembro do ano passado no Rio Grande do Sul mantém grupos de WhatsApp que permitem a rápida mobilização de dezenas de aficionados.
Com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas de quem não dorme mais de quatro horas há dias, Lopes, conhecido no meio off-road como Chuck, falou ao blog à beira das águas que percorre diariamente. "Durante os dois primeiros dias, no começo das chuvas, a gente conseguia tirar pessoas das casas com os jipes, com a água a 1,5 metro de altura. A partir daí, apelamos para barcos e jet skies, e, onde era possível usávamos os ganchos de reboque dos nossos jipes em apoio", conta ele.
Em suas redes sociais, Chuck tem insistido na mobilização civil uma vez que, ressalta, "é o povo quem está realmente ajudando quem precisa na ponta, não há uma coordenação oficial, só se ouve falar dela mesmo nos noticiários, o povo foi quem se organizou para ajudar como pode".
E o seu grupo de jipeiros, chamado de Partiu Tuia, nome de uma região muito frequentada pela turma off-road, já está organizando um alojamento para receber mais voluntários que estão vindo de vários estados para atender o que se prevê seja mais uma rodada de tragédias à medida que as águas forem descendo para o sul e novas chuvas se intensificarem como previsto pela meteorologia. "Queremos abrigar umas 100 pessoas voluntárias, porque vão ser necessárias, inclusive trazendo gente da área de saúde, de psicologia, porque aqui está tudo muito pesado, angustiante, estamos no limite e vendo cenas terríveis o tempo todo, é uma guerra que não sabemos como nem quando vai ter fim", acrescenta.
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