Trilhas de longa distância são sempre desafiadoras para quem se aventura com uma mochila ao ombro e um GPS no bolso. Mas percorrer 1.100 quilômetros, sozinho, no inverno, em 43 dias é para quem sabe se planejar muito bem. É para trilheiros como o paulista André Fuao, 28, que já encarou a os 4.200 quilômetros da Pacific Crest Trail (PCT), percurso que corta a costa oeste dos Estados Unidos, em cinco meses e que chegou há poucas semanas de Israel, da cidade de Kibutz Dan, na fronteira com o Líbano, até Eilat, quase entrando no Egito.
A travessia da Israeli National Trail (Trilha Nacional de Israel), conta Fuao, se divide em três segmentos bem diferentes. O primeiro, que segue até Tel Aviv, é marcada por sítios históricos e religiosos, "que emocionam quem se lembra das histórias da Bíblia", como conta Fuao. Em seguida vem a parte mais urbana do país, que inclui além de Tel Aviv, a capital Jerusalém e as redondezas. E, finalmente, onde o bicho pega mais pesado: o deserto, que representa 450 quilômetros do total e exige todo um planejamento especial.
"A primeira parte é o que chamamos de 'dirty road walking', ou caminhar por estradas de terra, que não é muito meu estilo", explica Fuao. Nesse trajeto, as vilas frequentes oferecem água, comida e até pouso, o que dispensa carregar muito peso. "Mas você anda 90 quilômetros pela praia, é lindo e tem um profundo significado histórico e religioso", releva.
A segunda parte do percurso, ainda mais urbano, é comparado por Fuao ao Caminho de Santiago, na Espanha, onde a cada poucos quilômetros há toda uma estrutura de atendimento aos trilheiros e peregrinos. "É legal, também histórico e tal, mas o grande desafio era mesmo o deserto", conta o trilheiro, que já percorreu três vezes o mais conhecido percurso da Europa.
Ao adentrar o deserto, Fuao descobriu por que a Bíblia conta que Jesus foi lá meditar por 40 dias, enfrentando todas as tentações. Lá, o desafio era equilibrar o peso da mochila com a necessidade de se garantir com água para a jornada. "Esse foi o maior problema, porque tem muitos trechos sem água nenhuma", lembra Fuao. Não é raro quem faz essa jornada contratar drops de água, pessoas que se encarregam de deixar um suprimento do líquido a cada tantos quilômetros, aliviando a jornada. "Mas eu não queria fazer isso, tento sempre ser o mais autossuficiente possível, não depender de terceiros para nada, então mapeei os pontos de água que o governo israelense deixa instalados para os trilheiros e vi que a cada 80 quilômetros mais ou menos podia repôr o estoque", acrescenta.
Fuao, então, fez as contas: caminhou das 6h40 às 16h40, a uma velocidade entre 2 e 5 quilômetros horários (sim, porque desertos, ao contrário do que reza o imaginário, não são caminhos confortáveis e exigem frequentes escalaminhadas, trechos de areia fofa, enfim, pedaços em que mal se consegue fazer de 1,5 a 2 quilômetros por hora.
"Então, o cálculo ficou assim: fazendo 25 a 30 quilômetros diários, alcançava água a cada três dias e, como o consumo com leve racionamento era de três litros por dia, eu precisava carregar 9 litros de água comigo, não podia vacilar nem com a quantidade de água nem com o tempo", lembra. O controle da hidratação era feito pela cor da urina. "Se está claro, todo, se começa a ficar mais escuro vou bebendo mais até clarear", explica.
Outro problema do percurso foi o fato de, por estar fazendo a trilha no inverno, quando praticamente não é percorrida, ter que caminhar solo a maior parte do tempo. "E sem sinal de internet ou celular, o que significava que não podia me machucar", diz. Mas ele garante que os perrengues compensam: "Você estar ali, no meio do deserto, acampar e ver chacais, raposas e aquela quantidade enorme de estrelas à noite, é incrível", relata. Para quem já contabiliza algo próximo dos 13 mil quilômetros trilhados em quase oito anos, cada paisagem "é uma grande emoção". Entendedores entenderão.
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