A Starbucks não vende café: vende cultura americana.
Assim, surpreende pouco a quebra dos operadores brasileiros da rede. Eles culparam a pandemia e o abstrato "custo Brasil". Não lhes ocorreu a hipótese da própria incompetência, tampouco a perda de relevância da marca.
Temos uma cultura robusta de café (trocadilho intencional) há 200 anos. A Starbucks nos oferece café-com-leite, literal e figurado –algo fraco, sem competitividade.
A rede fundada em Seattle teve importância fundamental na pregação do evangelho cafeeiro. Mudou hábitos e ensinou rudimentos do café para milhões de pessoas em vários países, Brasil incluso.
Quando a Starbucks começou a se expandir, em 1987, o café que se tomava nos Estados Unidos passava o dia todo num bule de vidro aquecido. Coisa rala, clarinha, feita com grãos inferiores e torrados até virar carvão.
Esse ainda é o café padrão dos americanos, tão ruim que o servem de graça nas lanchonetes de beira de estrada. A Starbucks conquistou o consumidor urbano com grãos melhores e uma abordagem pretensamente cosmopolita.
Passei alguns meses na Califórnia em 1992. Naquela época, tanto lá quanto cá, a Itália invadia de forma inédita os supermercados: macarrão de trigo duro, tomate enlatado, vinagre balsâmico, azeites e conservas fascinavam consumidores acostumados com a porcaria local.
Era bacana se comportar como um italiano, do ponto de vista estritamente alimentar. Beber café é fundamental nessa rotina.
Em Berkeley, perto de São Francisco, havia (e ainda há) um lugar chamado Caffè Strada. O estafe de estudantes italianos servia aos gringos o trivial de seu país: expresso, cappuccino, caffè macchiato etc.
Já se notava um grau de miscigenação. O Strada vendia, por exemplo, um certo espresso doppio: expresso duplo, uma xícara de chá repleta de café forte, algo impensável na Itália.
Representante máximo da mesma tendência, a Starbucks mestiçou a cultura italiana do café com a obsessão dos americanos por bebidas doces em copos gigantescos de papel encerado.
Compre meio litro de frappuccino com avelã, baunilha, caramelo qualquer coisa que disfarce o gosto do café. Pegue esse balde de leite aromatizado e beba no carro, enquanto resolve pepinos do escritório no congestionamento. It’s the American way.
Quando a Starbucks chegou ao Brasil, em 2006, ninguém sabia de arábica, torra média, bourbon amarelo, microlote, hario ou prensa francesa. Predominava o expresso torrado e mal tirado.
Também aqui, a Starbucks subiu o sarrafo médio do café. E fez sucesso graças à jequice incurável do brasileiro, apaixonado por franquias americanas. Sucede que paixões são volúveis por natureza.
O café melhorou demais no Brasil, mas a Starbucks não acompanhou.
O que selou o declínio da operação brasileira, porém, foi a internet fácil em qualquer lugar. As lojas da Starbucks servem cultura americana e wi-fi, combo que perdeu o brilho e o borogodó.
Temos 4G e 5G. Temos pão de queijo mineiro e bolo de fubá. Temos cafezinho gostoso passado na hora. Não precisamos mais do café-com-leite da Starbucks.
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