Deixemos de lado, por ora, o chato clássico do Halloween: aquele que reclama da natureza anglo-saxã da festa e pleiteia a substituição da lanterna de abóbora pelo saci.
Peço licença para incorporar, só hoje, um outro tipo de chato. O cara que aponta a composição nefasta dos doces distribuídos às crianças no Halloween.
Acompanhei, no sábado, a caminhada de "doces ou travessuras" no condomínio em que meu filho mora. Ele está com o braço quebrado e não pôde se atirar na almôndega de crianças que disputavam balas às cotoveladas. Essa era minha função.
Mano, é cada assombração! Fora uma paçoca aqui e uma pipoca ali, só distribuíram veneno.
Entendo que, se você vai comprar um lote de doces para encher baldes, o mais lógico é escolher algo bem barato. Compreendo também que o Halloween é um dia só, tudo bem comer umas porcarias.
Mas o pessoal força a amizade. Refiro-me mais à indústria do que aos adultos que compram os doces podres.
Os melhores ingredientes dos doces de Halloween eram açúcar, sódio e gordura hidrogenada. Além desses, a lista descamba para coisas que você só ouve falar nas aulas de química avançada.
Um doce em particular me chamou a atenção.
Era um pirulito azul, cujo diferencial consiste em tingir a língua das crianças. Vamos à lista de ingredientes: açúcar, xarope de glicose, acidulante ácido cítrico, aromatizantes e corante artificial azul brilhante FCF.
Corante artificial azul brilhante FCF. Também conhecido como E133, pelo índice de cores 42090 e muitos outros nomes –tal e qual a cachaça ou o Diabo. Trata-se de um derivado do petróleo, de fórmula molecular C37H34N2Na2O9S3.
O azul brilhante é considerado seguro e está aprovado para o uso alimentício em vários países, incluindo Brasil e Estados Unidos. Existe, porém, uma quantidade pouco desprezível de poréns.
Segue um trecho de um estudo feito na Universidade de Lodz (Polônia) e publicado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA:
"Corantes sintéticos azuis são largamente usados em muitas indústrias. Embora sejam aprovados para o uso como corantes alimentícios, em cosméticos e alguns medicamentos, seu impacto na saúde do consumidor permanecem desconhecidos."
Sobre o azul brilhante em particular, o mesmo estudo cita resultados obtidos em experimentos in vitro, com cobaias e na observação clínica: inibição do desenvolvimento de neurônios, irritação cutânea, broncoconstrição (sintoma da asma), tumores gastrointestinais, reações alérgicas em indivíduos com asma, déficit de atenção e hiperatividade em crianças.
Muito relevante para o caso do pirulito do Halloween, a pesquisa menciona a absorção cumulativa do azul brilhante CFC pela mucosa da língua.
Meu filho sofre de alergia crônica, com sintomas cutâneos e respiratórios, de agente causador não-identificado. Na última consulta com um especialista, o médico pediu que não déssemos a ele nada que contivesse corantes sintéticos.
Abrimos exceções, não sem dor no coração, para ocasiões como aniversários de outras crianças e o Halloween. Na minha recente temporada na Inglaterra, descobri que poderia viver sem essa preocupação.
Lá, o supermercado abre uma gôndola só para os doces de Halloween. Ao escolher as balas que traria para o Brasil, percebi que quase todas estampavam o seguinte na embalagem: "sem corantes artificiais". O resto dos ingredientes é a mesma porcaria, mas, vá lá, é Halloween.
O curioso é que as balas de gelatina Haribo, também fabricadas e vendidas por aqui, são livres dessas tinturas. Já a Haribo brasileira contém corantes sintéticos.
A substituição dos corantes por pigmentos naturais é fruto da pressão da sociedade, que resulta no controle mais rígido da indústria alimentícia –sem esse controle, ela sempre vai tentar de tudo para reduzir custos e aumentar a lucratividade.
Se imitamos direitinho o Halloween de ingleses e americanos, poderíamos imitar também as coisas mais bacanas dessas sociedades.
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