Tem gente que leva a sério essas listas de melhores do mundo: discos, livros, vinhos, restaurantes, qualquer coisa.
Sei que o 50 Best, divulgado nesta semana, é um ranking de restaurantes elaborado com método e critério. Isso não elimina vieses. No frigir dos ovos, um corpo de editores decide por você o que é bom ou não é.
Sempre que sai essa lista, fico pensando que em algum lugar há um rico jeca mandando um subalterno fazer reserva no maior número possível de restaurantes bem-colocados. Não importa se ficam em Copenhague, em Lima ou no País Basco espanhol.
Taí algo não entra na minha cachola: o turismo gastronômico, definido como viagem em que refeições em lugares específicos são o objetivo, não escalas no percurso.
Nem coloco na balança a fome e a desigualdade. Vamos fingir que todo cidadão tenha condições de pegar um avião com a finalidade de jantar na Cidade do Cabo.
É o tipo de coisa que faço contentão em viagem a trabalho, mas aí tem dois pontos importantes.
Primeiro: esse é o meu trabalho –e não está na lista dos piores do mundo. Segundo: outra pessoa cuida da organização da agenda. Eu só entro na van, saio da van, como, bebo, dou umas risadas com o grupo e saio sem pagar a conta para voltar à van.
Férias é outro papo. Quero distância de um dia atulhado de compromissos. Já tentei me adaptar, e foi um saco.
Quando fui a Lima encasquetei de visitar o, deixe-me ver aqui, segundo melhor restaurante do mundo. Fiz a reserva pela internet semanas antes de sair de São Paulo. Exatamente como um foodie instagramista faria.
Chegamos os dois e fomos conduzidos a uma mesa num canto perto da adega, a mais de dez metros do ser humano mais próximo. Silêncio sepulcral. Luz tão baixa que mal dava para ler a carta de vinhos. Apontei ao garçom o segundo menos caro da lista, como de costume.
No que diz respeito à comida, era menú degustación, por supuesto.
A comida estava excelente, mas vá competir com a da evidente expectativa nutrida pela antecipação.
Não é programa para mim. Eu que sou o chato. O chato que acha chato passar horas na penumbra, murmurando, enquanto o serviço interrompe a sua conversa 700 vezes para trocar pratos, encher o copo ou limpar migalhas.
Gosto de escolher de antemão alguns lugares para ir ou, se estiver me divertindo além do esperado com outra coisa, desencanar de ir. Sem reservas. Já dei com a cara na porta? Várias vezes, mas o que vem depois é uma boa história para contar.
O prazer deste chato, quando viaja, é se perder e se achar num canto perdido. Como o restaurante à beira de um riacho na província menos visitada da Galícia, no (meio que) remoto noroeste da Espanha. Costela de porco com fritas, incluso no menu um litro de água ou de vinho na garrafa de vidro verde genérica.
No fechamento da conta, o dono não se furtou de perguntar: "Por que vocês saíram do Brasil para vir até este fim de mundo?". É disso que o chato gosta, não de menu-degustação no melhor restaurante do mundo.
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