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Café na Prensa - David Lucena
David Lucena
Descrição de chapéu café

Gourmetização do café é dominada por homens brancos, diz pesquisa

Levantamento mostra falta de diversidade do campo à indústria; baristas são exceção

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São Paulo

Uma das pesquisas mais amplas já realizadas sobre o setor de cafés especiais –a categoria mais gourmet do mercado cafeeiro– traz contornos numéricos sobre a elitização e a pouca diversidade desse segmento. Os agricultores, torrefadores, donos de cafeteria e degustadores que trabalham com café especial são, em geral, pessoas do sexo masculino, brancas e com alta escolaridade.

Em geral, o perfil predominante do agricultor que cultiva café especial é de homens brancos, casados, com idade entre 40 e 60 anos, com ensino superior e uma renda mensal entre R$ 5.000,00 e R$ 8.000,00. Os torrefadores –ou seja, aqueles que compram o café verde e industrializam-no– têm perfil semelhante.

Pessoa serve café de uma prensa francesa em uma xícara de vidro
Levantamento revela falta de diversidade no segmento de cafés especiais - Karime Xavier/Folhapress

Já os donos de cafeterias são ainda mais escolarizados –a maioria diz ter mestrado ou doutorado.

Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Sebrae Nacional em parceria com a empresa Hongi que ouviu 1.355 pessoas em 24 estados brasileiros, entre janeiro e fevereiro deste ano. O levantamento, obtido em primeira mão pelo Café na Prensa, trata-se de um dos mapeamentos mais extensos já feitos no setor de café especial do Brasil.

Segundo Carlos Eduardo Pinto Santiago, gerente do Sebrae Nacional, a pesquisa oferece um vasto material para que a entidade possa aprofundar projetos para o setor e desenvolver novas iniciativas.

Ele cita, por exemplo, parcerias com organizações como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) para estimular a participação de jovens agricultores, o que pode contribuir para uma maior diversidade do setor.

A barista Elis Bambil é uma das que desafia os números. Mulher negra, ela se associou à colega Keiko Sato e, juntas, criaram a Punga, uma torrefação que tem justamente a missão de valorizar o papel feminino na cadeia de produção do café.

Ela diz que o setor é "excludente, muito branco, hétero, rico e masculino", e que percebe isso ao frequentar eventos do setor. Esse cenário dificulta o ingresso de pessoas com perfil diverso, afirma Bambil.

"Eu sinto que foi um pouco mais difícil para mim porque o conhecimento está muito setorizado nesses homens brancos, e existe uma dificuldade muito grande deles dividirem esse conhecimento. E estarem dispostos a escutar mulheres, a levar o nosso ponto de vista em consideração e dar oportunidade para a gente crescer também e mostrar o que a gente pode fazer no café", diz.

Isabela Silva, proprietária da cafeteria Lay Low, na região central de São Paulo, diz que essa elitização se reflete no consumo. "Negros e pobres costumam estar envolvidos no cultivo, colheita e processamento do café no Brasil, mas invariavelmente são excluídos do acesso às benesses do mundo dos cafés especiais", afirma.

Assim como Bambil, ela cita eventos de café especial como momentos muito marcantes. "Muitas vezes tive que insistir e argumentar para obter benefícios e parcerias que estavam sendo estendidos de forma voluntária a outros empreendedores iniciantes que estavam no local, como se a ideia de existir uma empreendedora negra no mundo do cafe fosse improvável demais para ser assimilada", diz.

MAIS DIVERSOS, BARISTAS GANHAM POUCO

Os baristas, que estão na base da cadeia e são os que lidam diretamente com o público nas cafeterias, são uma exceção. Com maior diversidade de gênero e raça, eles são também os que apresentam menor remuneração: a maioria recebe menos de R$ 2.000,00.

Essa renda mais baixa para a categoria mais diversa é também sintomática do quão excludente é o setor, como explica Bambil: "Essas pessoas mais diversas não têm o reconhecimento necessário e não são bem pagas. E se a gente não é bem pago, não conseguimos crescer na vida, como um todo."

"E se formos falar sobre empreender, existem pesquisas que mostram que mulheres racializadas têm mais dificuldade para pedir empréstimo para abrir seus próprios negócios. Ou seja, é preciso se organizar e lutar por pagamentos mais justos nas diferentes carreiras do café, principalmente para quem trabalha nas bases", diz.

Questionada sobre o que poderia ser feito para mudar essa realidade, Bambil diz que ações individuais de pequenas cafeterias ou torrefações são bem-vindas, mas não são o suficiente. "As pessoas acham que é só função nossa fazer o mercado mudar, mas é função desses homens brancos com dinheiro, para fazer a roda mudar, o que vai ser difícil porque mexe nos privilégios deles próprios também", diz.

Já Isabela Silva afirma que é preciso questionar "essa lógica de herança colonial existente na produção e consumo do café", pois só assim será possível democratizar o café especial.

"É necessário repensar as políticas de acesso a crédito para pequenos empreendedores e produtores, dar visibilidade e apoio ao crescente número de mulheres e pessoas negras envolvidas no mundo do café especial, e também fazer com que as pessoas compreendam o lugar do consumo consciente nesse universo", diz. "Dessa forma a cadeia do café especial poderá começar a se reorganizar de forma mais inclusiva e respeitosa."

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