Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Viela em Pinheiros vira foco de rebelião contra a verticalização

Moradores pedem o tombamento do local para preservar espaço bucólico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A rua Alcides Pertiga é um pequeno recanto de tranquilidade em Pinheiros, escondido em um lugar bastante movimentado da cidade, entre as ruas Lisboa e João Moura e nas proximidades da esquina das avenidas Brasil e Rebouças.

Tudo deveria ir bem por ali, com a população vivendo tranquila nos 24 sobrados geminados que ladeiam a via cheia de jardins. Mas como acontece em muitas outras ruelas e vilas de São Paulo, surgiu um fantasma: a pressão imobiliária.

O entorno está se verticalizando velozmente e, de alguns meses para cá, aumentou o assédio das incorporadoras para tomar conta do lugar e construir prédios de apartamentos, como acontece em toda a região.

Para evitar que o local desapareça alguns moradores decidiram se mobilizar para pedir o tombamento da rua e tentar evitar que o espaço se descaracterize. Foi feito um abaixo-assinado na plataforma de petições online Change.org em busca de apoio para a iniciativa.

Moradores da rua Alcides Pertiga
Moradores da rua Alcides Pertiga sob a faixa de protesto, o professor Jorge Schwartz à esquerda - Vicente Vilardaga

"Por ser uma rua tão estreita e de casinhas há muitos anos lutamos contra o assédio das imobiliárias, que pressionam para verticalizar a área, o que destruiria nosso patrimônio histórico e cultural", diz o decano dos moradores, o professor emérito da Faculdade de Letras da USP Jorge Schwartz, que se mudou para lá em 1974, há exatos 50 anos.

Schwartz conta que na rua Lisboa há um prédio de três andares que foi comprado por uma incorporadora e que faz limite com seis ou sete residências da Alcides Pertiga. Há uma semana começou a demolição do prédio.

"Quando uma dessas incorporadoras inicia um projeto ela já começa a nos assediar de todas as formas para a gente vender as casas porque provavelmente o projeto deles é ter uma saída ou uma entrada pela nossa rua", afirma.

"Eles começaram a mandar pessoas para fazer uma espécie de 'terrorismo' dizendo que tal casa foi vendida. Um exemplo é a casa do Luis, onde funciona um consultório de psicanálise", relata. "Mandaram um mapa mostrando que ela está vendida, mas levamos um susto porque o Luis é um dos que nos apoiam. As imobiliárias mentem e criam um ambiente de incerteza para conseguirem o que querem."

Rua Alcides Pertiga
Vista em perspectiva da rua Alcides Pertiga, lugar aprazível com 24 casas geminadas - Vicente Vilardaga

O lugar não tem propriamente importância arquitetônica. Quase todas as casas, construídas em 1941, foram transformadas. Mas o que se defende na Alcides Pertiga é a qualidade de vida, um modo de viver que está se perdendo em São Paulo.

No lugar de um prédio alto e padronizado, igual a tantos que foram erguidos em Pinheiros, e da verticalização do bairro, os moradores querem que a memória da cidade seja preservada e que uma rua aprazível sobreviva.

Movido por princípios, o pequeno grupo partiu para a luta. Uma faixa de protesto foi colocada em uma das casas e o tombamento começou a ser aventado. Schwartz diz que um professor da USP, em uma reunião recente, explicou que há vários caminhos a seguir.

É possível, por exemplo, fazer o tombamento da paisagem, em especial dos paralelepípedos que cobrem a rua, o elemento histórico que melhor caracteriza o passado do local.

Casa na rua Alcides Pertiga
Sobrado preservado na rua Alcides Pertiga construído em 1941: esforço de tombamento - Vicente Vilardaga

O grupo que encabeça a mobilização tem tentado de todas as formas saber o que vai ser construído na rua Lisboa, quantos andares terá o novo prédio, mas não está conseguindo informações. Os 24 proprietários dos imóveis da viela não fecharam questão em relação ao tombamento. Alguns o rejeitam e têm interesse em se desfazer de suas casas.

O que se sabe que a incorporadora teve uma vitória parcial comprando as três primeiras casas na esquina da rua, mas, segundo Schwartz, isso não resolve o problema deles porque na realidade o que interessa são as residências mais centrais.

"Para você ver aonde chega a agressividade deles me mandaram um telegrama de duas páginas marcando uma data com horário para vir na minha casa. Não sei como conseguiram meu nome", afirma Schwartz. "Eles têm mecanismos de persuasão, são profissionais e tentam fazer pressão."

O grupo rebelde, porém, está tendo uma satisfação: a união. Cresceu entre os moradores a vontade de se conhecer e se reunir, algo que nunca houve na Alcides Pertiga. É a luta de Davi contra Golias.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.