Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Afinal, onde estão os pardais?

Antes dominante, o pássaro sumiu dos céus de São Paulo e corre risco de extinção

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São Paulo

Houve um tempo em que eles ocupavam os céus de São Paulo, estavam nos telhados das casas e nos fios elétricos e praticamente ofuscavam as outras espécies de pássaros. Eram os pardais (Passer domesticus), aves nativas do Oriente Médio que se espalharam por todo o mundo e foram introduzidas no Brasil no começo do século 20.

Hoje eles não só deixaram de ser abundantes como se tornaram raros. É mais fácil ver uma revoada de periquitos-ricos, confundidos com maritacas, ou um tico-tico do que avistar um pardal na cidade.

E o problema não é só em São Paulo e nem é novo. Percebe-se o sumiço desses pássaros há mais de dez anos e isso é verificado em vários locais. O pardal é considerado um animal sob risco de extinção.

Se antes era vista como uma espécie bem adaptada ao meio urbano, que roubava espaço de aves nativas, agora se entende que ela sofre muito com a mudança da paisagem e com a substituição das casas pelos prédios. Ela não encontra mais as condições ideais que tinha no passado para sobreviver.

Pardal
O pardal era visto como uma espécie cosmopolita, adaptada à vida urbana, mas virou uma ave rara - Sylvia Hirome

A pesquisadora Letícia Zimback, que coordena a sessão de biologia da Divisão de Fauna Silvestre da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, vê pouquíssimos pardais nas suas andanças para observar e catalogar pássaros no município.

Ela diz que um fator que tem levado ao sumiço desses animais é o fim das casas com telhados de barro, lugar preferido por eles para se aninharem. "A teoria principal é que agora ele tem menos lugares para fazerem seus ninhos", diz.

Outra hipótese que explica o rareamento dos pardais é a escassez de alimentos. "O pardal é insetívoro e existem estudos mostrando que a diversidade e a abundância de insetos têm diminuído no mundo inteiro", afirma.

Bem-te-vi
Os bem-te-vis, que têm um canto inconfundível, são um dos pássaros mais abundantes da cidade - Letícia Zimback

Na América, os pardais chegaram em 1850 e no Brasil, em 1903, quando o prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos, com uma finalidade higienista e ideias cosmopolitas, autorizou a soltura de 200 espécimes provenientes de Portugal no Campo de Santana.

A esperança do prefeito, convencido por alguns cientistas, era de que esses pássaros, como devoradores de insetos, servissem como um agente biológico para controlar a população de mosquitos na cidade, em especial o Aedes aegypti.

Claro que os pardais não foram capazes de conter epidemias. Mas eles se multiplicaram velozmente e, para piorar, dizia-se que eles se tornaram uma ameaça ao equilíbrio do ecossistema, rivalizando com outros pássaros.

Espécie robusta, resistente ao frio europeu, ele não encontrou competição contra as aves nativas e acabou ocupando os nichos ecológicos de animais de menor porte, como os curruíras, os sanhaços e os tico-ticos, se espalhando sem freios pelas cidades do país. Seja como for, no balanço final, os pássaros da terra recuperaram seus espaços.

Sábia-laranjeira
Por causa do barulho na metrópole, o sabiá-laranjeira tem mudado seus hábitos - Letícia Zimback

Se hoje faltam pardais, que outrora imperaram nos céus da cidade, sobram outras aves em São Paulo. Segundo o último Inventário da Fauna Silvestre publicado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente em dezembro de 2023, existem 516 espécies no município.

Esses números têm aumentado anualmente graças às observações feitas pela equipe da Prefeitura que vai a campo, ao trabalho de pesquisadores de aves e, mais recentemente, à ajuda de cientistas-cidadãos, que alimentam bancos de dados especializados como o eBird e o Wiki Aves.

Hoje são vistos pássaros surpreendentes nas áreas mais extremas da cidade, como o gavião-pega-macaco, o gavião-de-rabo-branco e o gavião-rabo-de-telha, todos predadores. Também se avistam aves de solo, como o macuco e o inhambu, e espécies migratórias, como os maçaricos. Nos últimos tempos, aves de grande porte e tipicamente silvestres, como o jacu, têm sido vistas na zona urbana, em praças arborizadas, assim como o pica-pau.

Segundo Letícia Zimback, os pássaros mais comuns nas áreas urbanizadas do município atualmente são os periquitos-ricos, os sabiás, que mudaram seus hábitos por causa do barulho na cidade e hoje são madrugadores, os bem-te-vis, os sanhaços e as cambacicas. Raramente se vê um pardal.

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