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Jornal e associação questionam no STF tese que pune imprensa por fala de entrevistados

Diário de Pernambuco, condenado em caso que fixou regra geral, e Abraji apresentam argumentos para tentar alterar entendimento

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São Paulo

O Diário de Pernambuco e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentaram argumentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar modificar o teor da decisão recente da corte que permite a responsabilização civil de empresas jornalísticas por falas de entrevistados.

O jornal recifense pede ainda que a aplicação da tese aprovada pelos ministros seja suspensa até a apreciação do seu recurso, ecoando recomendação feita pelo Instituto Tornavoz.

O Diário de Pernambuco foi condenado em um processo movido pelo ex-deputado Ricardo Zarattini (1935-2017) cuja última etapa foi a fixação, pelo STF, em novembro passado, de uma tese de repercussão geral –ou seja, que serve de modelo para casos semelhantes.

O ministro Luiz Fux, então presidente do STF, na abertura de exposição sobre liberdade de imprensa realizada em 2022 - Gabriela Biló - 5.abr.2022/Folhapress

Zarattini processou o Diário de Pernambuco por publicar em 1995 a falsa acusação de um entrevistado, o ex-delegado Wandenkolk Wanderley, de que ele fora o autor do atentado a bomba no aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça condenou a publicação a indenizar Zarattini em R$ 50 mil, decisão confirmada pelo STF.

A tese aprovada pelos ministros determina que, quando um entrevistado imputar falsamente crime a terceiros, o veículo que publicar a entrevista pode ser responsabilizado civilmente se "à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação" e/ou se "deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios".

Com a publicação do acórdão (redação final do resultado do julgamento), em 8 de março, abriu-se espaço para os chamados embargos de declaração –espécie de último recurso que dificilmente reverte o mérito da decisão, mas que pode alterar seu teor. Pela lei, cabem embargos quando há no acórdão "obscuridade, contradição, omissão ou dúvida".

Desde o julgamento, no final do ano passado, entidades que representam veículos de imprensa e jornalistas, advogados e grupos de defesa da liberdade de expressão alertam para os riscos que a nova norma poderá trazer à atividade jornalística –dado o seu teor pouco claro.

Na última segunda (18), o atual relator da ação, ministro Edson Fachin, publicou um despacho intimando as partes, os amici curiae ("amigos da corte", partes interessadas que apresentam subsídios ao julgamento) e demais interessados a se manifestarem num prazo de 15 dias úteis.

A agilidade, disse Fachin, se impõe "diante do elevado valor constitucional das liberdades de imprensa e comunicação".

No recurso, o jornal propõe a "eliminação dos subjetivismos acerca das expressões ‘dever de cuidado’ e 'indícios concretos de falsidade’", apontando que podem levar a efeitos indesejados: facilitar que instâncias ordinárias da Justiça determinem, a seu bel-prazer, o significado dessas expressões e aumento do assédio judicial contra jornalistas.

Também sugere que numa revisão da tese seja incluído esclarecimento feito pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, de que "o veículo não é responsável por declaração de entrevistado, a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à apuração de um fato que fosse de conhecimento público".

O jornal propôs ainda acrescentar ao texto a afirmação de que o veículo "não é responsável por declaração de entrevistado, salvo se comprovada a má-fé, caracterizada pela existência de dolo real (conhecimento prévio da falsidade da declaração) ou por dolo eventual (absoluta negligência na apuração da veracidade de fato duvidoso)".

A Abraji segue linha semelhante nas sugestões de alteração do texto. Propõe que um veículo só possa ser responsabilizado por falas de entrevistados se ficar comprovado que, à época da divulgação: 1) sabia da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência; 2) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível; 3) não tiver sido dada oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime.

Os advogados Igor Tamasauskas, Pierpaolo Bottini e Beatriz Logarezzi, que assinam o pedido da Abraji, sugerem ainda que sejam excluídos de possível punição casos de entrevistas e debates ao vivo, em que é impossível checar de antemão as falas dos entrevistados.

A associação de jornalistas pediu para ingressar na ação como amicus curiae. Normalmente esse pedido é feito antes do julgamento, mas o relator Edson Fachin deferiu excepcionalmente o pedido "considerando-se a relevância" do tema.

Quanto ao mérito da decisão, os advogados do Diário de Pernambuco, Carlos Velloso e João Carlos Velloso, argumentaram que o jornal não deixou de observar os deveres de cuidado preconizados pelo caso e que não havia indícios concretos da falsidade da imputação no momento da publicação da entrevista de Wandenkolk Wanderley em 1995.

Página da edição de 15 de maio de 1995 do Diário de Pernambuco com a entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley que motivou a ação de Ricardo Zarattini contra o jornal; o caso ensejou a decisão do STF sobre responsabilização civil de empresas jornalísticas. - Reprodução

Segundo o STF, a tese de repercussão geral não altera a jurisprudência do tribunal sobre liberdade de imprensa nem abre caminho para censura prévia. Ministros sustentam que a mudança visa coibir a desinformação, tem como alvo veículos que propagam fake news e que a imprensa séria e profissional pouco será afetada. O ministro Gilmar Mendes declarou que é possível esclarecer a tese fixada.

receio na corte quanto às críticas de que a regra represente censura ou limitação da atividade jornalística. O próprio Fachin, ao admitir a Abraji como amicus curiae mesmo fora do prazo, reforçou esse entendimento ao mencionar "a possibilidade de serem atribuídos efeitos infringentes ao julgado" –ou seja, de alterar de algum modo o que foi decidido.

Apesar dos sinais emitidos pelo relator quanto à urgência do tema, não há prazo para que os embargos de declaração sejam julgados pelo Supremo.

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