Câmara tem paralisia para pressionar STF e Lula, e acordo prevê R$ 200 milhões a ruralistas
Menos de um mês após ceder ministérios ao centrão, governo enfrenta instabilidade na base; prazo para PEC da Anistia fica em xeque
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Após um esvaziamento generalizado dos trabalhos da Câmara dos Deputados, em um movimento de pressão contra ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e de Lula (PT), um acordo costurado por aliados do governo buscou destinar recursos de interesse da bancada ruralista para destravar a pauta econômica e atenuar a disputa entre os Poderes.
Puxada pelo centrão e por parlamentares da frente agropecuária, a obstrução das atividades na Casa resultou nesta quarta-feira (27) na suspensão de comissões, sessões e votações, levando ao adiamento inclusive da PEC da Anistia, apesar do interesse dos próprios parlamentares na proposta de amplo perdão de punições a partidos e políticos.
Após uma reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários, o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo, afirmou que havia sido resolvido o entrave, com a previsão de avançar na liberação de crédito de R$ 200 milhões ao Ministério da Agricultura. Apesar do protestos e tentativas de obstrução por parte da oposição, o texto foi aprovado na noite desta quarta.
Na manhã desta quarta, a oposição e a bancada ruralista lideraram um movimento para não realizar nenhuma sessão, deixando as atividades da Câmara sem nenhuma previsão de votação em plenário e também cancelando a sessão da comissão que votaria a PEC da Anistia.
A obstrução dos trabalhos ocorreu em meio à revolta da bancada ruralista, que chega a reunir cerca de 200 deputados, com a decisão do STF de derrubar a tese do marco temporal nas terras indígenas.
A reação foi amplificada pela irritação de parlamentares do centrão com a demora do governo petista em definir a entrega de alguns cargos, em especial na Caixa Econômica Federal.
Esse cenário de instabilidade na base se dá apenas três semanas após Lula ter demitido Ana Moser e deslocado outro aliado de primeira hora, Márcio França (PSB), para uma nova pasta, com vistas a nomear ao primeiro escalão dois indicados do centrão: André Fufuca (PP-MA), no Esporte, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), em Portos e Aeroportos, respectivamente.
De acordo com o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), a tendência é que, diante do acordo, parte do grupo siga tentando obstruir a pauta para pressionar o STF. Mas, segundo ele, "as coisas se reorganizaram novamente".
"Nós sequer fomos consultados", reclamou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), líder da bancada ruralista, sobre o acordo com Lira.
Com o arranjo, três pautas foram selecionadas para o plenário da noite desta quarta: a Medida Provisória que libera R$ 200 milhões para o Ministério da Agricultura, o projeto de cota de tela para o cinema brasileiro e um projeto sobre a doença da fibromialgia.
Além disso, foi acertado que Lira se reunirá com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para definir os rumos de uma série de pautas econômicas, que devem ser votadas na próxima semana.
Sob reserva, parlamentares afirmam que o avanço ao longo do dia em negociações para indicações de nomes indicados por Lira para a Caixa também ajudou a destravar a obstrução dos trabalhos.
Enquanto as atividades da Câmara estavam paralisadas, o Supremo nesta quarta definiu em favor da indenização para fazendeiros que tenham suas áreas convertidas em terras indígenas. Ao mesmo tempo, no Senado, o texto do marco temporal foi aprovado não só na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), mas também no plenário, com apoio inclusive de parte da base do governo e do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Por outro lado, a PEC da Anistia não deve caminhar. Segundo Zeca Dirceu, o entendimento foi de que o tema precisa estar alinhado com o Senado antes de ser levado para votação.
"Não vamos votar uma PEC que é cheia de polêmicas e problemas e só gastar cartucho para daí chegar lá e não votar", disse.
Segundo ele, deputados devem conversar com Pacheco e outros senadores nos próximos dias para tentar pacificar os dois temas e avançar com as pautas.
A PEC da Anistia já estava com sua tramitação arrastada por causa de divergências sobre pontos do texto e, mesmo sendo de interesse dos deputados, também acabou afetada.
Com o novo adiamento da votação, dificilmente será cumprido o prazo para que parte dela entre em vigor nas eleições municipais de 2024, entre elas a que reservaria ao menos 15% das vagas nas Câmara Municipais a mulheres e a que reduziria formalmente a verba eleitoral de negros de 50% para 20%.
Para que isso ocorra, o projeto teria que ser aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado e ser promulgado até 5 de outubro.
A parte que anistia todas as irregularidades cometidas pelos partidos políticos, incluindo o descumprimento das cotas de mulheres e negros nas eleições de 2022, não precisa obedecer esse prazo (um ano antes da eleição) para entrar em vigor.
De acordo com parlamentares, o adiamento da PEC da Anistia também facilita negociar a tramitação com o Senado, além de atender a partidos que resistiam à entrada em vigor em 2024 de um mínimo de 15% das vagas para mulheres.
O presidente da Câmara encampou o movimento da bancada ruralista, iniciado no Senado e antecipado pela Folha, de articular PECs contra temas debatidos ou em debate pelo STF, mais notadamente o aborto, a descriminalização das drogas, o imposto sindical e o marco temporal.
A visão da bancada ruralista e do centrão, sob reserva, é que o governo Lula tem responsabilidade sobre as pautas debatidas pelo STF e que articulou por elas. Por isso, o incômodo com o Supremo é transferido também ao Executivo.
O centrão acelera a busca por assinaturas para apresentar a PEC que autoriza o Congresso a reverter decisões do STF.
O grupo, formado por PP e Republicanos, além do oposicionista PL, ganhou dois ministérios no governo, mas pressiona pela ocupação de outros cargos, em especial na Caixa.
Lira havia dito em entrevista à Folha que isso estava acertado, mas Lula negou em manifestação pública recente, não dando garantias sobre isso.
Outro foco de descontentamento com o governo é em relação à liberação de verbas e à entrega dos cargos negociados entre o Planalto e siglas aliadas.
A tensão entre partidos aliados e o governo ficou evidente nesta terça, quando um grupo de parlamentares do PSD emparedou o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) após um evento no Planalto.
Pelo menos três parlamentares cercaram o responsável pela articulação política do governo e, com gestos ríspidos, cobraram a liberação de recursos na área da saúde.
A deputada Laura Carneiro (PSD-BA) era a mais eloquente. Em determinado momento, chegou a falar em ameaça ao cargo da ministra Nísia Trindade, da Saúde. "Se a gente dançar, a ministra vai dançar também", afirmou, segundo áudio captado pela rádio CBN.
Após o episódio, Padilha saiu do local brincando que tinha sofrido um "baculejo". O PSD pleiteia indicar o comando da Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Erramos: o texto foi alterado
Em versão inicial da reportagem, o nome da ex-ministra do Esporte foi grafado incorretamente como Ana Mozer, em vez de Ana Moser.
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