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Bolsonaro precisa ser responsabilizado, o povo está perdendo a paciência, diz líder de manifestações

Ato deste sábado é recado a Lira, não apoio a Lula, afirma Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares

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São Paulo

Um dos líderes das manifestações contra Jair Bolsonaro neste sábado (19), o coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares), Raimundo Bonfim, 57, diz que o presidente precisa responder pela negligência no combate à pandemia e que o Brasil começa a viver um levante.

"Nós queremos também responsabilizar Bolsonaro pelo que ele não fez no passado", afirma o ativista à Folha, criticando a sabotagem do governo à imunização contra a Covid-19. O apelo por mais vacinas é uma das bandeiras dos atos que ocorrerão em mais de 400 cidades no Brasil e no exterior.

Outra demanda é o impeachment, pauta que Raimundo busca dissociar das eleições de 2022. Segundo ele, "é um erro" pensar que as mobilizações, capitaneadas por organizações e partidos de esquerda, sejam para desgastar Bolsonaro e favorecer o ex-presidente Lula (PT), que é pré-candidato.

"A rua está mandando um recado para o Lira. Está dizendo: faltava esse elemento? Está aqui o elemento para instaurar o processo de impeachment", diz, em alusão aos pedidos de deposição de Bolsonaro parados nas gavetas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

O coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares), Raimundo Bonfim, em frente ao Masp, ponto de encontro da manifestação contra Bolsonaro neste sábado (19) em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Bonfim, que é filiado ao PT, está envolvido na organização dos atos desde o início e foi um dos que defenderam a convocação de manifestações na pandemia, desde que fossem tomados cuidados. Em consenso, organizações protestaram em 29 de maio e agora retornam às ruas.

A articulação está centralizada na Campanha Nacional Fora, Bolsonaro. O fórum é composto por frentes como a Povo sem Medo e a Brasil Popular, que por sua vez reúnem centenas de entidades, entre elas a CMP, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e a UNE (União Nacional dos Estudantes).

A média móvel de mortes por Covid está acima do patamar de 2.000 por dia e vários estados têm taxas de ocupação de UTI superiores a 90%. Como os organizadores podem dar certeza de que as manifestações não contribuirão para a disseminação do vírus? A situação econômica, política, sanitária e social do país pesou para as organizações tomarem, por maioria, a decisão de irem às ruas em maio e agora.

O que podemos falar para quem está com dúvida em ir é que estamos redobrando os cuidados sanitários, com o distanciamento e o uso de máscara e álcool em gel. Demos conta de fazer o ato [do dia 29] em segurança. Até o momento não temos relato de nenhum caso de pessoa que se contaminou por ter ido à manifestação. É um quadro lamentável, de 500 mil mortes. Não queríamos estar diante disso.

As previsões que apontam uma nova piora da pandemia ameaçam a continuidade do calendário de manifestações da oposição? O avanço da Covid será um elemento fundamental para a nossa tomada de decisão, que será novamente coletiva e baseada em consultas a especialistas. Vamos considerar também a disposição das pessoas de irem às ruas. Amanhã [sábado] será mais um teste. É muito provável que as manifestações estivessem em outro patamar caso houvesse mais pessoas vacinadas.

A insatisfação com o governo Bolsonaro é, para além da questão da vacina, ligada à questão econômica e ao aumento do desemprego, da fome e da carestia, enquanto outros países aumentaram os recursos para a proteção social na pandemia.

Arthur Lira falou que não é só ele que decide o impeachment [o presidente da Câmara disse que se faz impeachment, entre outras circunstâncias, "quando o povo está na rua", mas que "não é uma caminhada de um grupo numa semana ou a caminhada de outra parcela na outra que vai fazer com que isso ande"].

Pronto, está aí a mobilização. A rua está mandando um recado para o Lira. Está dizendo: faltava esse elemento? Está aqui o elemento para instaurar o processo de impeachment.

Além da barreira em Lira, a aliança de Bolsonaro com o centrão é outro obstáculo. O que leva o sr. a acreditar que o impeachment pode avançar? Acho que as maiores mudanças que podem ser alcançadas, no Brasil e no mundo, vêm da pressão popular. O centrão não afunda junto com o Bolsonaro no mesmo barco. Por isso é importante a mobilização de fora para dentro [do Congresso].

O governo ainda se sustenta graças ao centrão, aos militares, aos milicianos, ao bolsonarismo radicalizado e aos grandes grupos econômicos. Mas tem hora que o povo perde a paciência. E está perdendo a paciência. Pode estar ocorrendo no Brasil um levante, assim como ocorreu na Colômbia, no Paraguai e em outros países. Um levante contra esse estado de coisas que é o governo Bolsonaro.

Nas últimas semanas, o governo adaptou o discurso e passou a encampar a compra de imunizantes. Isso não pode esvaziar a demanda das manifestações por mais vacinas? Não, porque a resposta não está sendo a contento. E nós queremos também responsabilizar Bolsonaro pelo que ele não fez no passado. A gente sabe o que ele fez no verão passado.

A CPI [da Covid, no Senado] está confirmando o que a imprensa noticiou, que ele retardou a compra dos imunizantes. É irreversível agora acelerar a vacinação porque não depende mais só dele, é uma exigência da sociedade, das famílias, da Faria Lima.

Ao mesmo tempo, aumenta a insatisfação do povo com a questão social, do desemprego e da Covid. Qual é a pauta do governo Bolsonaro? Armar a população? Privatizar a Eletrobras em um momento de crise energética? Ele está mais preocupado em cooptar as instituições do regime democrático, ameaçar a liberdade de expressão e defender seus amigos milicianos.

O ato de 29 de maio foi criticado por atrair majoritariamente pessoas ligadas a movimentos e partidos e a classe média mais progressista. O diagnóstico foi de que a camada mais pobre não participou. Pretendem mudar isso? Concordo com essa avaliação, embora ela não seja algo só deste momento. É algo que já vem ocorrendo há alguns anos, por exemplo nas manifestações contra o impeachment da presidente Dilma [Rousseff] e as reformas do [Michel] Temer. A gente notava que, no linguajar popular, o morro não tinha descido, as classes populares não tinham se engajado.

A manifestação [de 29 de maio] foi construída muito rapidamente, e as classes populares têm mais dificuldade de se locomoverem. São elas que ficam trabalhando a semana inteira, e ir a uma manifestação no sábado não é tão fácil.

Mas isso não sinaliza algo mais profundo? Sim, é um debate mais profundo. Essas manifestações de agora demonstram uma radical mudança no universo do trabalho. O movimento sindical passa por uma crise muito sensível. As pessoas já não estão mais vinculadas aos sindicatos, às categorias.

Há uma mudança, favorecida pela tecnologia e pela atualização do mundo do trabalho, em que as lutas cada vez mais deixam de ser organizadas a partir do chamado chão de fábrica e são feitas a partir do território, da luta por direitos, envolvendo as questões das mulheres, raciais, a batalha por moradia.

Por que as centrais sindicais resistiram a aderir em maio e agora estão apoiando? As centrais nos relataram que, como tinham a posição política de pregar o distanciamento, o "fique em casa", seria uma contradição chamar as mobilizações de rua.

Avalio que elas perceberam o sucesso que foi o ato e passaram a apoiar. Para mim, aquele discurso de Bolsonaro [em cadeia nacional de rádio e TV na noite de 2 de junho] foi motivado, entre outros fatores, pelas nossas manifestações.

Como filiado ao PT e organizador das manifestações, que visão, ou que visões, o sr. tem sobre a eventual participação de Lula nos protestos? A minha opinião é única. Todos aqueles que são contra o Bolsonaro e defendem a vacina são bem-vindos, de modo geral. Obviamente, é uma decisão pessoal ir ou não. Mas a presença do Lula nos obrigaria a nos desdobrarmos na nossa explicação de que não é um movimento partidário, embora muitos partidos estejam nos ajudando na convocação.

Bolsonaro e seus apoiadores tacharam a mobilização como ato de apoio à pré-candidatura de Lula. Alguns setores avaliaram que a nossa intenção é desgastar o Bolsonaro para favorecer uma candidatura do Lula, e isso é um erro. Nós não estamos mobilizados com esse objetivo. Isso não pesou nada, zero, nas nossas decisões.

Não podemos dar margem para esse tipo de interpretação. Nosso movimento não é partidário ou eleitoral, é um movimento político que captou a indignação de amplos setores da sociedade. Embora a coordenação seja feita por grupos e entidades ligadas ao campo da esquerda, a participação nas ruas extrapola esse setor.

Outros políticos, do PT e de outros partidos, compareceram em maio e anunciaram que voltarão às ruas neste sábado. Qual é a diferença deles para Lula? Ninguém encarnou tanto o simbolismo do antagonismo ao Bolsonaro quanto o Lula, ao se colocar contra o negacionismo, pela vacina e pelo isolamento. E ele é pré-candidato à Presidência, o que outros políticos que foram [aos atos] não são.

Se ele for à manifestação, inevitavelmente as pessoas vão dizer que é um ato eleitoral. Não é esse o objetivo. Se a nossa mobilização influenciar o resultado eleitoral de 2022, será uma consequência.

Por que, na sua visão, partidos e movimentos mais à direita que se opõem a Bolsonaro evitaram até agora se juntar às mobilizações? Nós, além da pauta em defesa da democracia e do "fora, Bolsonaro", temos uma pauta econômica também, de defesa de auxílio emergencial de R$ 600, contra os cortes na área da educação e na área de moradia. E outros partidos ou movimentos de direita estão de acordo com a agenda econômica do Bolsonaro, que não estou nem dizendo que ele está conseguindo implementar.

Acho que dá para ampliar mais ainda o nosso movimento. O PSB e o PDT, por exemplo, podem entrar mais na campanha [as duas legendas, oficialmente, não endossam as convocações, embora setores internos, como diretórios regionais e movimentos de juventude, estejam engajados].

A organização tomou providências para monitorar ou prevenir casos de violência como o visto na manifestação do Recife, onde duas pessoas perderam a visão de um olho ao serem atingidas por tiros de bala de borracha disparados pela PM? Pedimos às autoridades medidas para assegurar o direito de manifestação previsto na Constituição. Para nós foi importante a decisão do governador de Pernambuco de afastar o comandante, e o secretário acabou caindo.

Estamos redobrando os cuidados com segurança, recomendando às pessoas que não aceitem eventuais provocações e ficando atentos a infiltrados que tenham a intenção de provocar baderna. Pode interessar a setores da direita, do bolsonarismo, que a fotografia final dos nossos atos não seja a mesma do dia 29, no sentido de organização e respeito aos cuidados sanitários.

Concorda com a tese de que uma das razões para Bolsonaro retardar ações de combate à pandemia foi inibir atos de rua contra seu governo? Do Bolsonaro se pode esperar tudo, menos sentimento de humanidade e compromisso com a vida. Como ele é uma pessoa que atua pelo caos, pela instabilidade, pelo confronto e pelo cálculo político-eleitoral, não é descartável que haja esse elemento. O fato concreto é que, quanto mais avançar a vacinação, mais crescerá a possibilidade de sairmos às ruas.

RAIO-X

Raimundo Bonfim, 57
Piauiense radicado em São Paulo, é advogado, militante de causas sociais e coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares). A organização, criada em 1993, agrupa entidades de diversas áreas, como moradia, saúde, mulheres, racismo, juventude e economia solidária. Filiado ao PT, Bonfim é um dos integrantes da Campanha Nacional Fora, Bolsonaro e está engajado em manifestações de rua contra o presidente

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