Cérebro por trás de ascensão de Trump, Bannon quer espalhar marca pelo Brasil e o mundo
Ex-estrategista do americano se reuniu com Eduardo Bolsonaro em agosto, em Nova York
Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados
Você atingiu o limite de
5 reportagens
5 reportagens
por mês.
Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login
Antes mesmo de chegar à Casa Branca como estrategista-chefe de Donald Trump, Steve Bannon já era apontado como eminência parda na política americana, uma espécie de grilo falante soprando no ouvido do republicano as palavras que parte do eleitorado queria ouvir.
O elo entre Bannon —que durou sete meses no cargo até ser demitido por Trump e ir capitalizar a fama— e a campanha do brasileiro Jair Bolsonaro permeiam o debate desde que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável do PSL, se encontrou com o americano em Nova York, em agosto.
Na ocasião, o brasileiro disse que Bannon era um entusiasta de Bolsonaro e que os dois manteriam contato “para somar forças, principalmente contra o marxismo cultural”.
O quanto o americano aconselhou a campanha bolsonarista não é claro, mas há semelhanças entre a estratégia de comunicação adotada pelo brasileiro e aquela usada por Bannon com Trump.
O homem que nasceu em uma família democrata de classe média na Virgínia em 1953, estudou nas universidades de Georgetown e Harvard e ganhou o epíteto “Grande Manipulador” da revista Time após a posse de Trump, em 2017, foi crucial na conversão do empresário imobiliário e apresentador de reality show em presidente.
Pouco conhecido fora dos círculos da chamada “direita alternativa” americana —eufemismo para ultradireita—, Bannon, que teve criação católica e serviu a Marinha por seis anos, de início ganhou mais atenção pelas declarações misóginas e racistas.
Muitas delas foram instiladas no site noticioso que dirigia, o Breitbart News, ponta de lança da nova ultradireita americana e com o qual ajudou a alavancar a candidatura do republicano e a prejudicar a adversária, Hillary Clinton.
Sua voz também podia ser ouvida no programa de rádio Breitbart News Daily, no qual mirava, além dos democratas, a direita “não alternativa” —como o ex-presidente republicano George W. Bush, criticado por ter dito que o islã era uma religião de paz.
Foi o site que levou Trump a convidá-lo para dirigir sua campanha presidencial após conquistar a candidatura republicana, quando ela corria o risco de descarrilar.
O jornalista aceitou a tarefa com entusiasmo, mas, apesar do sucesso de sua estratégia, nunca conseguiu entrar de fato para o círculo íntimo do presidente —depois do rompimento, em agosto passado, sobraram críticas mútuas.
Prolífico, Bannon produziu e dirigiu documentários políticos para impulsionar a agenda conservadora. Entre eles, “The Hope & The Change” (2012), análise de democratas insatisfeitos com Obama, e “Clinton Cash” (2016), no qual trata da relação entre o casal Clinton e entidades estrangeiras (lançado às vésperas da eleição presidencial).
A atuação em diversas plataformas lhe rendeu uma fortuna estimada pelo próprio entre US$ 11,8 milhões (R$ 44 milhões) e US$ 48 milhões (R$ 180 milhões), segundo relatório divulgado pela Casa Branca em abril de 2017.
O dinheiro não foi acumulado apenas com o salário de US$ 191 mil anuais (cerca de R$ 60 mil mensais) que ganhava no Breitbart. Boa parte deriva de suas boas conexões com financiadores conservadores com interesse em promover a mesma agenda.
A mais frutífera dessas conexões foi com Robert Mercer, um milionário septuagenário de setor financeiro e um dos grandes doadores do Partido Republicano, que acabou por injetar US$ 15 milhões no projeto da Cambridge Analytica (CA), empresa de dados e análise política de matriz britânica com a qual Bannon catapultou a campanha de Trump.
A CA usou, de forma escusa, dados de ao menos 50 milhões de contas do Facebook para produzir uma campanha em redes sob medida para o republicano: misturando notícias falsas e verdadeiras para estimular os piores medos de cada tipo de eleitor e relacioná-los ao Partido Democrata.
Desta forma, engrossou o campo de Trump, que já havia deixado o establishment político atônito após derrotar 17 adversários mais experientes nas prévias republicanas.
O escândalo de manipulação de dados levou Mark Zuckerberg a admitir que o Facebook cometeu erros e a prometer mudar sua política de compartilhamento de dados. Mas a campanha já tinha acertado o alvo, e Trump estava eleito.
Bannon, contudo, nunca admitiu conhecer o esquema.
A suspeita de que parte da propaganda tenha sido produzida por agentes russos interessados em eleger Trump e assim desestabilizar a política americana, porém, levou o Congresso a abrir uma investigação ainda não concluída sobre a interferência do Kremlin e a conexão com a campanha do novo presidente.
Uma vez fora do governo, Bannon passou a se encontrar com políticos do mundo todo, como o ex-chanceler britânico Boris Johnson, e criou um grupo com base em Bruxelas, chamado “O Movimento” —para o qual Bolsonaro será convidado, segundo um de seus líderes.
A proposta é promover a agenda populista conservadora que fez sucesso com o eleitorado do ex-chefe e que ganha terreno na Europa, na Ásia e na América Latina.
Bannon já havia, no início do ano, manifestado interesse nas eleições brasileiras e em Bolsonaro, após ver vídeos do brasileiro com fãs em aeroportos pelo país.
O encontro com Eduardo Bolsonaro selou essa admiração mútua, embora o deputado deixe claro que não há nenhum pagamento envolvido no aconselhamento. Neste mês, o próprio Jair Bolsonaro negou haver participação de Bannon na campanha.
Para a diretora do centro de pesquisa em direito e tecnologia InternetLab, Mariana Valente, a difusão de desinformação sobre temas que dividem os eleitores e de mensagens enviesadas presente na campanha de Bolsonaro guarda forte semelhança com as táticas do americano.
A notícia de que empresários que apoiam Bolsonaro compraram pacotes de disparos em massa no WhatsApp para espalhar mensagens contra o PT, revelada pela Folha na última semana, também ecoa a Cambridge Analytica.
Há, porém, diferenças: no caso americano, houve direcionamento fino do conteúdo para potenciais eleitores, já que dispunham-se de informações mais detalhadas sobre seus perfis graças ao Facebook. No brasileiro, a segmentação foi menor, dada a natureza difusa do WhatsApp, diz Valente.
“E no caso da Cambridge Analytica, parecia existir uma grande máquina por trás. No caso de Bolsonaro, não existe um grande ator, mas uma infraestrutura de propaganda em rede, com grupos de interesses diferentes”, afirma a pesquisadora.
Além disso, no WhatsApp, plataforma que nunca se popularizou nos EUA, as informações se espalham mais rapidamente, diz Harold Trinkunas, professor do centro para segurança e cooperação internacional da Universidade de Stanford e especialista em América Latina.
“E me parece que, no Facebook, é mais fácil checar informações compartilhadas”, diz.
Trinkunas afirma que o “uso das redes sociais para manipular a percepção pública é algo que já está estabelecido ao redor do mundo”, o que torna Bannon mais uma inspiração do que uma ferramenta para a campanha de Bolsonaro.
“Parece mais que Bolsonaro está imitando o que foi feito por Trump e reproduzindo a linguagem de Bannon antiglobalização e pró-nacionalismo.”
Mas a dimensão dessa influência na eleição é, para Trinkunas, uma incógnita.
Yochai Benkler, professor de direito de Harvard e autor de “Network Propaganda”, diz que os especialistas “buscam explicações fora da política” para fenômenos como Bolsonaro e Trump. “Mas as fontes do nosso fracasso democrático são profundamente políticas.”
Procurados pela reportagem, Steve Bannon e Eduardo Bolsonaro não quiseram dar entrevista.
Colaborou Luciana Coelho
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters