Governo Milei tira estatal de notícias do ar, e polícia cerca prédio
Presidente da Argentina diz que Télam faz 'propaganda kirchnerista'; sindicatos reagem
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Dois dias depois de o presidente Javier Milei fazer um discurso no Congresso confirmando que fecharia a agência pública de notícias Télam, sua gestão cercou os dois prédios da estatal argentina com policiais, dispensou os funcionários por uma semana e tirou o site do ar, o que causou protestos na porta da empresa.
"Despeçam-se da Télam que está indo embora", postou o porta-voz do governo, Manuel Adorni, às 23h de domingo (3), pouco antes de membros do Sindicato de Imprensa de Buenos Aires (SiPreBa) informarem que os edifícios, no centro de Buenos Aires, estavam sendo vedados por grades de metal.
Na manhã desta segunda-feira (4), em sua entrevista coletiva diária, Adorni disse que o fechamento já havia sido prometido pelo presidente na campanha e que "isso não tem nada a ver nem com o pluralismo da informação nem com a liberdade de imprensa". Também afirmou que o site "está em reestruturação" e deve voltar ao ar em breve.
"A Télam estava tendo uma perda estimada de 20 bilhões de pesos [R$ 100 milhões na cotação paralela atual]". Sobre a presença da polícia, ele declarou que "a operação de segurança tentou evitar qualquer tipo de invasão de pessoas que não tenham nada a ver com a Télam e que tenham tentado sujar o governo ou seus funcionários".
Os funcionários receberam um email durante a madrugada assinado por Diego Chaher, identificado como interventor, que dizia: "Todos os servidores da Télam S.E. estão dispensados de cumprir suas obrigações trabalhistas pelo prazo de sete dias, com direito a remuneração, a partir das 23h59 deste domingo [3]".
O clima entre os jornalistas da agência é de indignação e apreensão. Centenas de funcionários e membros de sindicatos protestaram à tarde na porta da estatal, onde cantaram o hino da Argentina, entoaram cantos como "pátria sim, colônia não" e fizeram símbolos peronistas, como o "v" com os dedos.
"Eu estava trabalhando, mandei um email à 1h30 da madrugada, e logo depois derrubaram todos os sites e sistemas internos. Não sabemos se haverá programa de demissão voluntária, se vão pagar indenização, se vão fechar mesmo, nada", dizia a funcionária administrativa Carolina Rojas, 39, que trabalha na empresa há dez anos.
Na última sexta (1º), durante um forte discurso aos congressistas na abertura do ano legislativo —que bateu recordes de audiência—, Milei repetiu que fecharia a Télam, segundo ele "utilizada nas últimas décadas como agência de propaganda kirchnerista".
O coletivo de funcionários da estatal reagiu e emitiu um comunicado em que destacou ter 700 empregados e ser o único veículo "com uma rede de correspondentes em todas as províncias argentinas", num país onde as notícias são concentradas na capital.
Disse ainda que o argumento de Milei é o mesmo usado pelo governo do ex-presidente Mauricio Macri em 2018, quando ocorreram 357 demissões, muitas delas revertidas posteriormente pela Justiça. As gestões de Carlos Menem e Fernando de la Rúa também já tentaram fechar ou reduzir a empresa, segundo os servidores.
Diferentes sindicatos saíram em defesa da agência. O SinPreBa e a Federação Argentina de Trabalhadores de Imprensa (Fatpren) afirmaram que tomarão "as ações legais, sindicais e políticas que forem necessárias para proteger tanto o seu papel social na democracia quanto todas as fontes de emprego" dos trabalhadores.
Carla Gaudensi, secretária adjunta do sindicato de Buenos Aires, argumenta que o fechamento é ilegal e que a Télam estava incluída na lista de 41 empresas do pacote da "lei ônibus" que foi retirado pelo governo após falta de consenso com a oposição. "É preciso que passe pelo Congresso", disse ela a uma rádio local.
O caso argentino ecoa o do Brasil. Durante a campanha presidencial de 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também prometeu extinguir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada durante o primeiro governo de Lula (PT). A medida não foi para frente, mas sua estrutura foi reduzida quando ele assumiu.
CRÍTICAS DE MILEI À IMPRENSA
Ao longo de seu discurso aos legisladores, Milei fez outras críticas à imprensa.
"Cancelamos a publicidade oficial em meios de comunicação por um ano, o que vai resultar em uma economia de mais de 100 milhões de pesos [R$ 500 mil na cotação paralela atual]. [...] É uma imoralidade que, em um país pobre como o nosso, os governos gastem o dinheiro das pessoas para comprar vontades dos jornalistas", declarou.
"Não devemos nos enganar, há um setor importante na vigência política que não quer abandonar os privilégios do antigo regime. [...] Também o vimos com jornalistas, que diante da decisão de acabar com a verba oficial decidiram sair em defesa de seus privilégios de maneira descarada, chegando a cometer delitos de calúnia e injúria e mentir de forma depravada", disse ele.
Durante a campanha e depois de sua posse, Milei tem protagonizado momentos de tensão com jornalistas, o que faz lembrar conflitos que também ocorriam nos governos de Cristina Kirchner (2007-2015). Em janeiro, em menos de dez dias, o atual presidente argentino chamou três repórteres de diferentes meios de "mentirosos".
Naquela mesma semana, a conta oficial da Presidência editou e publicou um vídeo no X ironizando a pergunta de um jornalista nas entrevistas coletivas diárias do porta-voz Adorni, que depois lhe pediu desculpas e afirmou que não era o responsável pelo perfil.
No início de fevereiro, ao menos 32 profissionais de imprensa ficaram feridos por balas de borracha ou sprays de pimenta durante protestos contra a "lei ônibus", em ações policiais seguiam o novo "protocolo antipiquetes" da gestão. O episódio fez a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, convocar uma reunião com entidades de imprensa.
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