Prefeitos negros das quatro maiores cidades dos EUA fazem aliança informal
Líderes de Nova York, Los Angeles, Houston e Chicago têm visões semelhantes sobre problemas urbanos
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Quando a corrida para a prefeitura de Los Angeles começou a ficar apertada, no final do ano passado, Karen Bass, a candidata vista como favorita, recebeu incentivo de uma figura com quem tem algo em comum: Lori Lightfoot, a prefeita de Chicago.
Lightfoot havia trilhado um caminho político semelhante em 2019 e se saído vitoriosa, tornando-se a primeira mulher negra eleita prefeita de sua cidade —como Karen Bass estava tentando em Los Angeles.
E, apesar de o adversário bilionário de Bass ter despejado US$ 100 milhões (R$ 517 milhões) na campanha e recebido o endosso de celebridades como Kim Kardashian e Katy Perry, Lightfoot, com uma série de visitas pessoais e mensagens de texto, exortou sua colega democrata a não desanimar.
"Ela enfrentava um adversário com muito, muito dinheiro e que estava apelando para os medos das pessoas relativos à criminalidade, às pessoas em situação de rua —francamente, muito semelhante às circunstâncias que estou enfrentando agora na minha cidade para ser reeleita", disse Lightfoot em entrevista. "Eu quis que ela soubesse que estou aqui para lhe dar apoio."
Lightfoot e Bass integram uma aliança informal de quatro prefeitos de cidades grandes americanas cujo trabalho talvez seja um dos mais difíceis dos EUA. Por acaso, eles têm visões semelhantes sobre como fazer frente aos problemas comuns de suas cidades, como a criminalidade violenta, as pessoas em situação de rua e o número crescente de mortos por overdose de drogas.
Por acaso, também, os quatro são negros. Quando Karen Bass assumiu seu cargo, em dezembro, as quatro maiores cidades dos EUA passaram a ter prefeitos negros ao mesmo tempo, pela primeira vez.
Os prefeitos democratas –Karen Bass, Lori Lightfoot, Eric Adams, de Nova York, e Sylvester Turner, de Houston— dizem que suas experiências compartilhadas e suas raízes na classe média negra lhes conferem uma visão diferente da maioria de seus antecessores sobre como liderar suas cidades.
Em entrevistas, os quatro prefeitos falaram de como sua origem ajudou a moldar suas campanhas bem-sucedidas e como eles oferecem uma visão singular dos problemas de suas cidades.
"Precisamos ser ousados na nossa visão dos problemas que vêm de longa data, especialmente em relação à pobreza e desigualdade sistêmica", disse Lightfoot. "Temos que encarar esses problemas de frente e combatê-los. Precisamos derrubar as barreiras que até agora realmente impediram muitos de nossos moradores de conseguir realizar os talentos que Deus lhes deu."
Para isso, pode ser preciso fazer malabarismos delicados. Karen Bass foi organizadora comunitária que assistiu aos tumultos que explodiram após o veredito no caso de Rodney King. Adams chamou a atenção para a brutalidade policial, tendo sido espancado pela polícia quando era adolescente.
Após a morte de George Floyd, em 2020, Karen Bass, como congressista, promoveu uma legislação para impedir o uso de força policial excessiva e promover um novo tipo de treinamento antipreconceito para policiais. A medida ficou parada no Senado. O presidente Joe Biden posteriormente aprovou alguns dos dispositivos da legislação por ordem executiva.
Em Chicago, Lightfoot chefiou o Conselho de Polícia de Chicago e liderou uma força-tarefa que divulgou um relatório fortemente crítico sobre as relações entre a polícia e a população negra da cidade. Nos anos 1990, Eric Adams fundou uma entidade chamada "100 Blacks in Law Enforcement Who Care" (Cem negros na força policial que se importam).
Como prefeitos, todos agora na casa dos 60 anos, eles criticam o movimento para "desfinanciar a polícia", mas também pedem mudanças sistêmicas na ação policial.
Em Chicago e Nova York, Lightfoot e Adams defenderam o aumento dos gastos com a polícia e colocaram uma presença policial intensiva no sistema de transporte público. Essa iniciativa tem sido criticada por proponentes da Justiça criminal para quem os prefeitos não têm agido com presteza suficiente para reformar suas polícias.
"Precisamos de um departamento policial da cidade que seja bem-sucedido", disse Lightfoot. "Para mim, o sucesso significa garantir que seja o departamento policial mais bem treinado, que os agentes entendam que sua legitimidade aos olhos do público é sua ferramenta mais importante e que nós apoiemos nossos agentes. O trabalho do policial é difícil e perigoso."
Adams concordou. "Não podemos tolerar erros de conduta policial, mas sabemos também que precisamos garantir apoio aos policiais que estão fazendo a coisa certa e enfrentando a violência", disse.
Os quatro prefeitos têm destacado sua origem para mostrar que entendem a importância de combater a desigualdade. Adams foi criado por sua mãe solteira, que trabalhava como faxineira. O pai de Bass era carteiro. A mãe de Lightfoot era auxiliar de enfermagem que trabalhava no turno da noite. Turner é filho de um pintor de paredes e uma empregada doméstica.
Maurice Mitchell, diretor nacional do Partido das Famílias Trabalhadoras, uma organização destacada de viés esquerdista, disse que a experiência de vida dos prefeitos é mais uma razão para que "adotem uma visão mais ampla da vida negra do que é expressa em suas políticas públicas e seus orçamentos", priorizando escolas, bibliotecas, empregos para jovens e assistência a pessoas com doenças mentais.
"Queremos que se invista em nossas comunidades, do mesmo modo que se investe em outras comunidades, e esse investimento não deve limitar-se a mais polícia", ele disse.
Os quatro prefeitos são apenas os segundos prefeitos negros eleitos em suas respectivas cidades. Nova York, Los Angeles e Chicago passaram mais de 30 anos entre a eleição de seu primeiro prefeito negro e o segundo; no caso de Houston, foram quase duas décadas.
As quatro cidades têm em comum uma crise de pessoas em situação de rua, e também as soluções potenciais. Durante o governo de Turner, Houston virou exemplo nacional de um programa de "habitação em primeiro lugar" que nos últimos dez anos transferiu 25 mil pessoas em situação de rua diretamente para casas e apartamentos.
Agora Nova York está lançando um programa baseado no de Houston que vai transferir 80 pessoas em situação de rua para habitações permanentes, sem precisarem passar pelo sistema de abrigos.
Turner, advogado que se tornou prefeito em 2016, disse que ligou para Adams depois de este ganhar uma primária apertada em Nova York em 2021 para oferecer seu apoio. Ele defendeu o plano de Adams para tirar pessoas com doenças mentais graves das ruas involuntariamente, uma política que enfrenta resistência em Nova York.
"Eu o aplaudo por isso", disse Turner. "É controverso, ou algumas pessoas acharão controverso? Sim. Mas qual é a alternativa? Deixá-las onde estão?"
Turner, que devido aos limites do mandato está no último ano como prefeito, disse que começou no cargo com a meta de tornar Houston mais igualitária. "Eu não queria ser prefeito de duas cidades em uma só".
"Reconheci o fato de que há muitos bairros que foram ignorados ou passados por cima por décadas", acrescentou. "Cresci em uma dessas comunidades e ainda vivo nessa mesma comunidade."
Tradução de Clara Allain
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