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China ameaça derreter investimentos no mundo todo; entenda

Ações de empresas chinesas nas Bolsas dos EUA podem virar pó se onda de intervenção de Pequim chegar ao mercado de capitais

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Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

O que Pequim quer com a recente onda de intervenções em diferentes mercados, como os de tecnologia e educação? Não existe só uma resposta para essa pergunta, mas as ações do governo não deixam dúvidas: o modelo de regulação de mercado mudou e os alvos são grandes empresas –até pouco tempo atrás o orgulho do agressivo capitalismo chinês.

Antes, o governo deixava a competição correr solta, com as empresas livres para ganhar mercado, inovar e destruir a concorrência, mesmo que isso gerasse alguma instabilidade. Mas a chave virou. Pior, em alguns casos o governo não anunciou as razões, com detalhe, para suas ações, gerando uma incerteza que pode ser pior do que a intervenção em si.

Podemos dividir as ações em três tipos: as com objetivos claros de mudar incentivos sociais, as que querem limitar o poder de algumas “super” empresas, e as cujos motivos são indefinidos, podendo ser até mesmo uma vitória de uma corrente exacerbadamente nacionalista e marxista dentro do partido comunista.

As ações de várias empresas chinesas nas bolsas derreteram porque o governo chinês tem mecanismos claros de expropriar os investidores internacionais de empresas chinesas que abriram capital no exterior. Por causa de controle de capitais, essas empresas não vendem diretamente ações das suas operações chinesas, mas sim a propriedade de entidades registradas em paraísos fiscais (são as “variable-interest entities", ou VIE).

Assim, por exemplo, um investidor americano que compra ações de uma empresa chinesa listada na Bolsa de Nova York está, na verdade, comprando parte de uma subsidiária registrada nas Bahamas. Se o governo chinês proibir as VIEs, isso significa que acaba a ligação entre a entidade nas Bahamas e a matriz na China. Os investidores seriam donos de uma empresa sem valor.

Até pouco tempo, as regras do jogo eram claras: a competição podia correr solta e que vencessem as melhores e mais agressivas empresas. Intervenções aconteciam somente quando a competição gerasse uma bolha ou algum tipo de instabilidade.

Foi essa a razão, por exemplo, do desmonte do setor de empréstimos “peer-to-peer” em 2019. Essa parte do setor financeiro explodiu depois da desregulamentação dos mercados financeiros e continha até esquemas de pirâmide, onde financeiras prometiam retornos mais altos a quem entrasse primeiro no esquema, ganhando participação por cada amigo e familiar que trouxessem para o negócio.

Em 2015, havia mais de 6.000 empresas financeiras nesse setor. Mas com o aumento do número de fraudes, clientes que não conseguiam sacar seus recursos e tomadores que davam calote, primeiro os reguladores limitaram a criação de novas empresas, depois impediram a concessão de crédito pelas existentes e, por último, ordenaram que as empresas fechassem, sendo que elas têm até 2025 para fazê-lo.

Nos últimos dias, a mão pesada no setor de educação também tem objetivos claros, que são limitar os imensos gastos das famílias chinesas na corrida extrema pelos melhores lugares nas universidades. A intenção é que sobre mais dinheiro para que as famílias tenham mais filhos, já que a população chinesa está envelhecendo rapidamente (hoje são 1,43 bilhões de chineses e esse número deve diminuir para menos de 1,2 bilhão até 2080).

O nível de competição do gaokao, o ENEM deles, é monstruoso, com algumas universidades aceitando somente os alunos com notas melhores que 99,6% dos outros candidatos da região. Antes, essa competição era vista somente como benéfica, pois ajudaria a criar uma elite muito bem preparada. Agora, o governo percebeu que isso também traz problemas.

A estratégia do governo não vai dar certo. Conter a oferta de cursinhos preparatórios sem mexer na demanda só vai gerar mais problemas. Mas, pelo menos, dá para se entender as escolhas das autoridades.

No caso das empresas de tecnologia, não está claro o alvo do governo. Recentemente, foram várias as medidas duras contra empresas como a Didi (dona da 99 Táxi, no Brasil), Alibaba e Tencent, que juntas valem mais de U$ 1 trilhão e aproximadamente o mesmo valor que todas as empresas de capital aberto no Brasil. O governo chegou até a proibir que aplicativos como Wechat, da Tencent, uma versão mais abrangente do Whatsapp, registrassem usuários.

No caso da Didi, a desculpa dada por regras mais duras foi que a empresa estaria abusando do acesso a dados dos clientes. Mas por quê enquadrar algumas das maiores empresas do país? Se fosse para estimular a entrada de novas empresas, essas ações seriam compreensíveis. Mas a incerteza é geral, tanto para pequenas quanto grandes empresas. Se for só por hubris, para a alta cúpula mostrar seu poder, o efeito será perverso e isso pode gerar até mesmo uma crise econômica.

Nos últimos anos, o governo chinês, em questões econômicas, se comportava de maneira previsível e racional. Em alguns casos, como o setor educacional, parece continuar a ser assim, mesmo que as autoridades estejam mais intervencionistas. Mas para outros setores, as regras do jogo mudaram. Só que não foram explicadas para os jogadores.

Seria só um recado para as empresas de que enriquecer é glorioso, desde que não se esqueça quem manda? É um sinal de que a economia estaria se fechando? Uma resposta geopolítica ao governo americano?

Pode ser. Mas também pode ser o início de um novo modelo de desenvolvimento. Nesse caso, essa seria só a primeira onda de medidas intervencionistas, de muitas. Que acionistas vão sobreviver? Só o tempo dirá.

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