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Livro de Chimamanda Adichie sobre morte do pai fala ao luto da Covid

Obra é um abraço amoroso naqueles que buscam acolhida e um jeito de tatear o tema para quem vê a morte como tabu

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Jéssica Moreira

Jéssica Moreira é escritora e jornalista. Coautora do Blog Morte Sem Tabu e Cofundadora do Nós, mulheres da periferia

Notas sobre o Luto

Avaliação:
  • Preço: R$ 29,90 (144 págs.); R$ 16,90 (ebook)
  • Autoria: Chimamanda Ngozi Adichie
  • Editora: Companhia das Letras
  • Tradução: Fernanda Abreu

“Eu preciso de tempo”, escreve Chimamanda Ngozi Adichie no relato autobiográfico "Notas sobre o Luto", em que aborda a morte de seu pai, lançado agora pela Companhia das Letras.

É um livro para ser lido de uma só vez. Devoramos uma escrita fluida, já notada em obras anteriores, como "Hibisco Roxo" e "Americanah". A autora volta a fazer dança nesse relato que mistura os confusos sentimentos trazidos pelo luto, as memórias de seu pai e os traços da cultura nigeriana.

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie - Victor Ehikhamenor

James Nwoye Adichie nasceu em 1932, foi professor de matemática e morreu em 10 de junho do ano passado, em decorrência de complicações de falência renal. A autora é a quinta de uma família de seis filhos.

A morte coincide com a primeira onda de Covid-19, o que dificulta a realização do funeral, uma realidade trazida pela pandemia. A despedida, seguindo as tradições nigerianas, acontecece só em outubro.

Chimamanda mostra a dificuldade de enlutados assumirem assuntos burocráticos em meio à dor. "Eu preciso de tempo", diz, numa crítica à sociedade que ainda não sabe lidar com os tempos de quem está vivendo esse processo. "Como as pessoas andam pelo mundo, funcionando, depois de perder um amado pai?"

As primeiras páginas logo apresentam o cotidiano da família em conversas via Zoom, o que nos traz ao momento atual, em que as plataformas digitais são a única forma de estar perto de parentes e amigos.

O olhar para o dia a dia é a grande sacada da autora ao falar sobre luto, lembrando que as saudades não estão só nos grandes acontecimentos, mas na emoção ao encontrar a caligrafia curvilínea que anuncia a educação africana colonial ou na imagem do pai caminhando de um lado para o outro em seu exercício matinal.

A escritora, que já trazia marcas da história e da cultura nigerianas, revela memórias de um pai que continua presente em suas palavras. A leitura nos leva à cidade de Abba, onde as lembranças se misturam com a ancestralidade da família Adichie, as expressões da língua igbo ou a Guerra de Biafra, quando o pai assiste a seus livros sendo todos queimados por soldados nigerianos.

Nas folhas que se seguem, ela desenha de forma sutil a não linearidade do luto, quando se assusta com sua própria raiva, o medo do amanhã e "de todos os amanhãs", assim como com a vergonha em sentir tudo isso e de modo tão confuso.

A culpa, bastante característica diante da morte de um ente querido, também é representada no livro, seja pelos questionamentos sobre o que deveria ter sido feito ou pelas histórias que não puderam ser gravadas.

Acerta ao criticar as frases generalistas, tão vagas diante da dor. “Eu sinto muito”, “meus pêsames”, e “ele está em um lugar melhor” não ajudam a autora, nem ninguém. “Ele descansou não reconforta, e sim provoca um muxoxo que acaba conduzindo à dor.”

O que dizer a uma pessoa enlutada? Não há receita, mas o melhor remédio não está nas falas prontas, aponta Adichie, mas nas memórias concretas e sinceras compartilhadas por quem também o conheceu, reafirmando sua existência e como era amado pelos demais.

Deixa como reflexão aos leitores a ideia de que ninguém sabe como será seu luto até o vivenciar. Não há verdades únicas sobre esse momento.

Mesmo curta, é uma leitura densa e doída, que conversa com os lutos, individuais e coletivos, que vivemos neste momento. Para o leitor que busca acolhida diante de sua perda, o livro é um abraço cheio de amor. Para quem ainda vê a morte como um tabu, um jeito de tatear o tema.

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