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Descrição de chapéu Chuvas no Sul DeltaFolha

Inundação atingiu 300 mil imóveis e 800 instalações de saúde no Rio Grande do Sul

Cerca de 635 mil pessoas moravam nas áreas alagadas, mostra estimativa da Folha com dados do IBGE e da UFRGS

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São Paulo

A inundação histórica provocada pelas recentes chuvas no Rio Grande do Sul alagou ao menos 303 mil edificações residenciais e 801 estabelecimentos de saúde em 123 cidades, indica análise da Folha baseada em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Universidade Federal do estado (UFRGS).

Além disso, ficaram submersos total ou parcialmente 682 unidades de ensino, 1.347 templos religiosos, 2.601 propriedades agropecuárias e mais 48 mil edifícios utilizados para outras finalidades, como lojas, bancos, prédios públicos ou comerciais e construções. Os dados se referem às áreas alagadas até a segunda-feira (6), após temporais no fim de semana passado.

O cálculo foi realizado a partir da sobreposição entre as coordenadas geográficas do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), resultante do Censo 2022, e o mapeamento das enchentes realizado por cientistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), com apoio da Faculdade de Arquitetura e pesquisadores voluntários.

Eldorado do Sul foi o município proporcionalmente mais afetado, com 81% dos moradores e 71% dos imóveis diretamente atingidos pela inundação. - 3.mai.2024 - Anselmo Cunha/AFP

Estimativa baseada nos dados preliminares de população residente por setor censitário sugere ainda que cerca de 635,8 mil pessoas moravam nas áreas atingidas diretamente e podem ter perdido os seus imóveis ou bens materiais por consequência da elevação da água.

O levantamento considera apenas as áreas inundadas, sem levar em conta outros desdobramentos graves das chuvas, como dificuldade de abastecimento, bloqueio de estradas e falta de luz ou comunicação. Segundo o governo estadual, 437 municípios gaúchos foram afetados até esta sexta (10).

De acordo com a análise da Folha, aproximadamente 84,5 mil edificações residenciais foram atingidas na capital Porto Alegre –os dados do CNEFE não diferenciam casas e prédios. Em seguida, aparecem as cidades de Canoas (65,7 mil), São Leopoldo (38,6 mil), Lajeado (13,5 mil) e Eldorado do Sul (13,4 mil).

Em termos proporcionais, três municípios tiveram mais da metade de seus endereços residenciais invadidos por água ou lama. O pior cenário é o observado em Eldorado do Sul, com 71% dos imóveis inundados de forma total ou parcial. As cidades de Estrela (57%) e Muçum (53%) completam essa lista.

Vizinho a Muçum, o município de Roca Sales teve 43% de suas casas atingidas. Com a destruição sem precedentes, as áreas urbanas dessas duas cidades gaúchas precisarão ser reconstruídas em outros lugares.

Outra preocupação imediata é com a rede ambulatorial e de assistência em saúde. De acordo com os dados do IBGE —que não incluem apenas hospitais e unidades de pronto-atendimento, mas também clínicas, consultórios e laboratórios, entre outros—, foram alagadas somente em Porto Alegre 257 edificações relacionadas ao setor.

O presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Eduardo Neubarth Trindade, diz que não há como estimar o tempo e o investimento necessários para se recuperar toda a estrutura danificada.

"Temos unidades funcionando de forma precária, sem poder fazer exames, consultas nem cirurgias. Teve hospital completamente inundado, onde se queimou todo o sistema elétrico, todos os computadores… Não é só baixar a água e reabrir. Há equipamentos perdidos que chegam a custar milhões de reais, e não se perderam quatro ou cinco, mas centenas desses equipamentos".

Em termos gerais, a reconstrução será longa, com previsão de êxodos populacionais, já que as inundações se repetem em algumas cidades. O Rio Grande do Sul tem uma densa rede hidrográfica, com três grandes bacias, e sua localização geográfica também contribui para cheias, embora desde 1941 o estado não presenciasse uma inundação desse porte. Estudos indicam que as mudanças climáticas devem agravar ainda mais a tendência a enchentes no extremo Sul do país.

Entre urbanistas, prepondera a ideia de que tanto a capital como as cidades mais atingidas, concentradas no Vale do Taquari, no Vale do Rio Pardo, na Serra Gaúcha e na região metropolitana, precisarão se reconstruir sob o alicerce do planejamento e da coordenação regional.

"As bacias hidrográficas não respeitam divisões político-geográficas. O planejamento precisa ser regional, e precisa, de fato, haver planejamento. Fomos desconsiderados nas últimas décadas de forma absurda, apartados da discussão do plano de Porto Alegre, por exemplo", diz Luciana Miron, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS e integrante de um gabinete da mesma universidade que está desenvolvendo ações coordenadas de reconstrução.

Ela defende que haja coordenação entre diferentes municípios e melhor gestão de crises climáticas no estado, "que serão cada vez mais frequentes". "O que não parecia crítico tornou-se crítico muito rapidamente. A sobrevivência e a qualidade de vida das pessoas podem ser afetadas numa velocidade incrível, é preciso detectar com precisão onde estão os focos de urgência."

Em relação a Porto Alegre, o primeiro passo técnico do poder público, à medida que a água do Guaíba baixar à cota urbana aceitável, de 3 metros, deve ser a manutenção das comportas e o redimensionamento ou a substituição das bombas de escoamento. A avaliação é de Benamy Turkienicz, arquiteto e coordenador do Núcleo de Tecnologia Urbana da UFRGS.

"O futuro imediato é este: manutenção da estrutura. É preciso ressaltar quer nosso sistema de prevenção contra cheia no Guaíba é muito sofisticado. Se não fosse pela deficiência técnica ocasionada por falta de manutenção, não teríamos desastres que ocorreram pela inundação", afirma.

A médio e longo prazo, ele defende uma adoção de planos urbanos criados sob a ótica de parâmetros de desempenho, associando modelos hidrológicos, geotécnicos, ambientais, de calor e ventilação. "Cada vez mais nós alargamos nosso perímetro urbano e aumentamos nosso custo de infraestrutura, destruindo os serviços ecossistêmicos."

Na frente econômica, mais de 150 docentes assinaram nesta semana um manifesto para indicar medidas à reconstrução do estado. Eles culpam a falta de investimentos e o endividamento do Rio Grande do Sul a catástrofe.

Destacam que, antes mesmo da enchente, o enfrentamento adequado dos efeitos derivados da crise climática, com base em estudos internacionais, deveria ser da ordem de R$ 6 bilhões a R$ 8,5 bilhões, vindos dos cofres públicos, e de R$ 16 bilhões a R$ 21,5 bilhões do setor privado. "É um patamar muito acima dos níveis recentes, que foram de apenas R$ 1 bilhão ao ano, em média, entre 2015 e 2022, mensurados a preços de 2022", afirmam.

A dívida do Rio Grande do Sul é apontada como um dos empecilhos ao investimento. Eles defendem, entre várias medidas, pontos como a suspensão e reestruturação das dívidas com a União, a criação do Fundosul, um fundo constitucional para mitigação de riscos climáticos para a região, revisão de políticas de incentivo fiscal e ações que promovam "maior conhecimento na sociedade sobre a gravidade da crise climática".

"Os pequenos comerciantes, os produtores rurais têm créditos que não vão conseguir honrar. Muitas empresas foram destruídas, tem todo um efeito sobre o setor produtivo e os bancos que emprestam esse dinheiro... esse dinheiro não vai retornar", diz o economista André Moreira Cunha, um dos autores do documento.

METODOLOGIA

Para identificar os imóveis atingidos, a Folha utilizou as coordenadas geográficas do CNEFE, coletadas durante o Censo 2022. Os locais podem ser classificados como: domicílio particular ou coletivo; construção; estabelecimento agropecuário, religioso, de ensino ou de saúde; ou outras finalidades. No Rio Grande do Sul, foram registrados 6,5 milhões de endereços.

Todos esses pontos foram sobrepostos ao mapa da inundação, traçado pelos pesquisadores da UFRGS a partir de dados do satélite Sentinel-2 captados no dia 6 de maio. Foram consideradas as áreas inundadas ou cobertas de lama.

A partir daí, foi realizado um novo cruzamento para identificar o município e o setor censitário em que cada ponto alagado está inserido. Como o IBGE já divulgou os resultados preliminares de população residente por setor, foi possível estimar também o número de moradores.

No caso dos setores inundados parcialmente, a distribuição geográfica dos imóveis residenciais foi utilizada para ponderar o percentual de habitantes atingidos.

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