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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Descrição de chapéu STF

Ficar neutro não é uma alternativa

Voto de Zanin prenuncia batalhas duras no STF sobre linguagem não binária

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A discussão sobre "linguagem neutra" é tão violentamente polarizada –e portanto tão propensa a gerar mais luz do que calor– que o ministro Cristiano Zanin posou de vilão no último dia 10 apesar de ter votado certo. Vamos tentar aqui (não é fácil) desarmar algumas minas terrestres e mapear a área.

Começo pelo fato recente, que rendeu manchetes. Ao engrossar a maioria formada no STF para declarar inconstitucionais duas leis municipais –uma em Goiás e a outra em Minas Gerais– que proíbem a linguagem neutra, Zanin declarou uma obviedade em forma de ressalva: que o emprego de pronomes e terminações não binárias destoa "das normas da língua portuguesa".

Mas não é exatamente essa a ideia? Ninguém que escreva "todes" ou "elu" faz isso esperando ser condecorado com a medalha Napoleão Mendes de Almeida de melhor aluno de gramática normativa.

Pelo contrário, trata-se de uma intervenção política na língua, uma irreverência destinada a chamar a atenção de quem lê para problemas reais de exclusão de minorias. Invocar a famigerada norma culta contra isso chega a ser uma platitude.

Alunos da USP usam linguagem neutra em formatura - Reprodução

No entanto, é uma prova da complexidade do tema que essa platitude pode ter consequências concretas em processos futuros. O que o STF decidiu agora –como já havia decidido no passado– é uma questão de forma: legislar sobre educação não cabe a estados e municípios, mas à União.

É aí que mora o perigo. O Congresso, com sua sinistra maioria de reacionários e oportunistas, acaba de fazer o debate sobre drogas retroceder meio século e parece prestes a transformar em assassina a mulher que aborta o filho do seu estuprador.

Não está descartada uma lei, quem sabe até uma PEC, que condene quem escreve "amigues" à internação compulsória em clínicas cívico-militar-religiosas.

Assim, é provável que em breve o Supremo seja chamado a deliberar não sobre a forma, mas sobre o conteúdo da briga em torno da linguagem neutra. Como indica o voto de Zanin, nesse caso pode-se prever certa dificuldade do plenário em formar maioria.

Aqui cabem duas ou três ponderações. Não se reforma a gramática de um idioma por lei. É muito cedo para dizer se tais propostas serão incorporadas um dia à língua padrão.

Como já escrevi em outras ocasiões, acho improvável que grupos de pressão consigam mexer em estruturas gramaticais sedimentadas ao longo de séculos. Mas a verdade é que não sabemos.

Contudo, acredite-se ou não que pôr a linguagem neutra em relevo atente contra a língua, dê munição barata ao populismo de direita ou desvie o foco de lutas mais importantes no plano das políticas de inclusão, estamos falando de um fato social do nosso tempo.

E não é só no Brasil, esse país em que tanta gente conservadora que escreve gato com jota vê ameaças ao establishment gramatical em cada esquina: "gender-neutral language" e "écriture inclusive" são temas de debate mundo afora.

Daí decorre que leis como as que o STF declarou inconstitucionais, ao tentarem interditar a conversa na grade curricular e em documentos oficiais, são puro atentado à liberdade de expressão.

Em seu artigo para o livro "Linguagem ‘Neutra’: Língua e gênero em debate" (Parábola), lançado em 2022, o linguista Sírio Possenti observa que, "independentemente de se chegar a uma solução de consenso entre as alternativas postas (...), a questão está posta. Seria indecente não reconhecer sua relevância". Voto com o relator.

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