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Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

Para alegria dos bancos, governo amplia consignado a extremamente pobres

Facilidade de crédito pode levar pessoas com menor renda ao superendividamento financeiro

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Por cerca de 30 anos, só quem podia fazer empréstimo consignado com desconto no benefício previdenciário eram os servidores, os beneficiários dos fundos de pensão e do INSS. Propositalmente, os titulares do BPC (Benefício de Prestação Continuada) ficavam de fora. Por uma simples razão: são pessoas vulneráveis do ponto de vista social e econômico, que precisam fazer a peripécia de completar o mês ganhando um salário mínimo, sem direito a 13º.

Não faz sentido autorizar o endividamento para quem não conseguiu na vida planejar o futuro, a ponto de prescindir da ajuda governamental. Mas, para alegria dos bancos e das instituições financeiras, no atual governo os empréstimos ao assistencialismo foram liberados, com autorização de comprometer até 40% da renda.

Recentemente, houve regulamentação (Instrução Normativa n. 134/2022) desse tipo de empréstimos para pessoas pobres, num nível de pobreza que muitas vezes é abaixo da miséria. Foram estabelecidos critérios e procedimentos operacionais, buscando dar maior segurança e coibir as peculiares fraudes do segmento, mas nada que impeça o superendividamento.

Contas - Gabriel Cabral - 17.set.2021/Folhapress

O benefício assistencial é destinado a garantir renda mínima a pessoas consideradas (extremamente) pobres, sejam incapazes ou idosos acima de 65 anos. Este último caso representa 42% do assistencialismo. Embora as doenças sejam mais comuns na velhice, o benefício assistencial em caso de incapacidade é pago a brasileiros de qualquer idade.

E aqui há uma particularidade: como o surgimento da incapacidade atrapalha o planejamento profissional e financeiro, os seus titulares podem estar nessa situação justamente por causa de infortúnio médico que venha a interromper a fase economicamente ativa.

Já os idosos acima de 65 anos se encaixam no perfil daqueles que não conseguiram se planejar na vida para pagar, ao menos, a carência mínima de 15 anos exigida pelo INSS, para fins de recebimento da aposentadoria por idade. De certa forma, muitos dos que pleiteiam o benefício assistencial não conseguiram ter a educação financeira necessária para fazer um pé de meia.

Nessa perspectiva, é uma temeridade o governo autorizar que essas mesmas pessoas façam contrato de consignado, sabendo-se que a falta de controle financeiro está a um curto passo de descambar para o superendividamento.

Digamos que muitos dos que estão no programa assistencialista têm tendência a esse descontrole. Pegar dinheiro emprestado –principalmente aqui no Brasil– é uma transação muito cara. A Lei da Usura confere a liberdade necessária para os bancos praticarem tarifas nada módicas. O nosso país é reconhecido como o lugar com os juros mais altos do mundo, conforme dados da Infinity Asset Management.

Estamos a falar, portanto, de pessoas que durante toda a vida não galgaram sua independência e que precisam da mão do governo, tendo este lhes dado agora o acesso ao bilhete creditício mais caro do mundo. Como não se bastasse, o INSS faz atualização nas regras, ampliando a margem de crédito consignado para quase metade da renda e autorizando a realização de empréstimos e financiamentos mediante crédito consignado para beneficiários do BPC.

A justificativa oficial para tal transação é a tímida penetração do crédito entre as pessoas mais pobres e que estes devem ter taxas de juros menores, pois o consignado tem baixa probabilidade de inadimplência em razão do desconto ser feito diretamente na folha de pagamento do INSS. De fato, esse tipo de consignado reduz sensivelmente o risco de calote, o que beneficiam os bancos pois os juros por eles cobrados não passaram a ser pequenos por causa disso.

Conforme a Resolução nº 1.345, do Conselho Nacional da Previdência Social, órgão do governo que interfere na política de preços dos aposentados, a autorização para os juros do consignado será até 25,68% ao ano e 36,72% ao ano nas operações de cartão de crédito, mesmo o risco de calote praticamente não existindo.

O mercado de empréstimo para benefício assistencial contempla o contingente de 40 milhões de pessoas, ganhando cada uma o valor de um salário mínimo e podendo comprometer até 40% da renda. Com a abertura desse nicho de mercado, o governo estima "uma injeção de recursos na economia brasileira de aproximadamente R$ 77 bilhões".

A facilidade de crédito aos mais pobres pode de fato estimular o consumo e aquecer a economia, especificamente os lucros dos bancos, mas com o risco de tornar a vida de tais pessoas ainda mais tormentosas em razão do superendividamento financeiro.

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