Mônica Bergamo é jornalista e colunista.
Conselho faz ofensiva contra médicos em SP por aborto legal em vítimas de estupro
OUTRO LADO: Procurado, Cremesp diz que informações 'não correspondem à realidade'; profissionais do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na capital, podem ser impedidos de exercer a medicina
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O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) tem encabeçado uma ofensiva contra médicos que trabalham no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, e realizaram abortos legais em mulheres vítimas de estupro. Ao menos três profissionais podem ter seus registros cassados e serem impedidos, em definitivo, de exercer a medicina.
O conselho paulista já votou, por unanimidade, pela interdição cautelar de duas médicas. Nesta terça-feira (30), o órgão irá analisar mais um caso em sessão plenária, que além das duas profissionais também envolve um terceiro médico. Ainda não está claro quantos outros processos administrativos serão apreciados nos próximos dias e semanas.
No entendimento de integrantes do Cremesp, os profissionais teriam praticado tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e até mesmo o assassinato de fetos —ainda que embriões não tenham direitos previstos pela Constituição e que todos os procedimentos estivessem dentro da lei, respeitando as práticas médicas indicadas.
Atualmente, o aborto é considerado legal no Brasil em situações de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna, não sendo estabelecido, em lei, um limite gestacional para o procedimento. Os atendimentos feitos pelos profissionais do Cachoeirinha estavam relacionados a mulheres vítimas de violência sexual e com gestações superiores a 22 semanas.
De acordo com pessoas familiarizadas com os processos administrativos, todos os casos estão sendo analisados pelo conselho a partir de prontuários acessados de forma supostamente ilegal, uma vez que o sigilo médico foi quebrado sem o consentimento das pacientes envolvidas.
Alguns desses documentos, inclusive, teriam sido encaminhados pelo próprio Cremesp à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, hoje comandada pelo bolsonarista Guilherme Derrite, e à Polícia Civil para eventuais apurações, havendo o temor de que sejam abertas investigações criminais contra as vítimas. Em um dos casos, o Cremesp questiona se houve, de fato, a prática de estupro contra uma delas.
Especialistas do direito ouvidos pela coluna sob a condição de anonimato afirmam não ver precedentes na conduta adotada pelo conselho regional, que levanta suspeitas de perseguição institucional, e dizem temer que os serviços de aborto legal, hoje escassos, sejam ameaçados com a ofensiva.
Acrescentam, ainda, que causa estranhamento o fato de as apurações serem iniciadas à revelia das pacientes, que jamais apresentaram qualquer queixa sobre o atendimento que receberam. E lembram que, se os profissionais tivessem se negado a prestar o atendimento previsto em lei, poderiam ter incorrido no crime de omissão de socorro.
Após a publicação deste texto, o Cremesp se manifestou por meio de uma nota (leia a íntegra abaixo) em que afirma que respeita o direito da mulher ao aborto legal "em casos de vítimas de crime sexual" e diz que tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício ético da medicina em qualquer hospital de São Paulo.
"O Cremesp está apurando os fatos que se encontram em sigilo nos termos da lei", afirma o conselho, que ainda diz desconhecer os casos apresentados nesta reportagem. "É lamentável que informações que não correspondem à realidade sejam veiculadas na sociedade." A coluna mantém a apuração feita.
Mais tarde, na terça-feira, o conselho divulgou em suas redes sociais uma nova versão da nota afirmando que "respeita o direito da mulher ao aborto legal", sem fazer a ressalva para casos de estupro, e acrescentando que "qualquer denúncia que envolva danos a fetos viáveis deve ser objeto de rigorosa investigação".
Os processos julgados pela autarquia paulista serão encaminhados ao CFM (Conselho Federal de Medicina), que terá a palavra final sobre o destino dos médicos.
As expectativas, contudo, não são as mais otimistas para os profissionais: neste mês, o conselho federal vetou a realização de um procedimento recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a interrupção de gestações mais avançadas. A norma é questionada em diferentes esferas da Justiça.
Considerado referência para o aborto legal no estado de São Paulo e até mesmo no país, o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha teve o seu serviço suspenso pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) em dezembro de 2023, episódio que foi revelado pela coluna.
A prefeitura afirmou por diversas vezes que a paralisação seria temporária, para dar lugar à realização de cirurgias eletivas, mas jamais retomou o atendimento.
Leia, abaixo, a íntegra da nota enviada à coluna pelo Cremesp nesta terça (30):
"O Cremesp respeita o direito da mulher ao aborto legal em casos de vítimas de crime sexual. Ressaltamos que o Conselho é uma autarquia federal que tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício ético da Medicina em qualquer instituição hospitalar no Estado de São Paulo. O Cremesp está apurando os fatos que se encontram em sigilo nos termos da Lei. É lamentável que informações que não correspondem à realidade sejam veiculadas na sociedade. Os fatos apresentados na reportagem "Conselho faz ofensiva contra médicos em SP por aborto legal em vítimas de estupro", publicado pela Folha de SP, não são reconhecidos por essa instituição."
CALVÁRIO
A atriz Maria Fernanda Cândido estrelará a capa da edição de maio da revista Cidade Jardim. Protagonista do filme "A Paixão Segundo G.H.", a artista falou sobre as gravações do longa e temas como a maternidade e sua vida em Paris. "A G.H. é uma personagem que passa por uma despersonalização, por uma via-crúcis em que vai tirando todas as máscaras. Eu nunca tinha feito isso", disse ela à publicação.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH
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